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Contrastes da nova economia de Pecém

Antiga vila de pescadores sente os reflexos das mudanças sofridas por uma cidade que se expande

Por volta do meio dia, enquanto os restaurantes localizados à beira da Praia do Pecém são “invadidos” por centenas de trabalhadores fardados, muitos deles naturais de outros estados, cinco homens, dois sem camisa e todos descalços, preparam-se, na areia da praia, para iniciar uma tarefa que só terminará na madrugada seguinte. Fazendo os últimos preparativos para começar a navegar, amarram à jangada os poucos pertences que usarão durante as próximas horas.

Antes um dos símbolos do Pecém, a atividade do pescador é cada vez mais rara Fotos: Alex Costa

A comida, a água, os chinelos, a rede de pesca e outros poucos objetos dividem espaço na pequena embarcação, batizada de Elaine. Após se certificar de que todo o material está bem atado, é hora de enfrentar o mar.

Enquanto dois deles posicionam sob a jangada os troncos de madeira que facilitarão o deslocamento, os três restantes empurram a embarcação em direção ao mar. A tarefa demora alguns minutos. Sempre que a jangada passa sobre os troncos, é preciso empurrá-los novamente para frente, repetindo a ação até que se alcance enfim as ondas.

Quando isso acontece, a vela, até então enrolada sobre o mastro, é liberada. No azul escuro da vela, que chega a se confundir com o céu, destacam-se as iniciais de São Gonçalo do Amarante. Elaine está pronta.

Dois dos pescadores saltam sobre a jangada e tentam manter a vela na posição mais conveniente. Os outros persistem no trabalho de empurrar.

Cada metro em direção ao infinito é superado com dificuldade e determinação. Após alguns minutos, a jangada passa a se deslocar por conta própria. O trio que a empurrava volta à areia, encharcado. Os outros dois pescadores retornarão no fim do dia.

A cerca de 30 metros, enquanto termina de almoçar, um grupo bem maior de trabalhadores assiste à jangada impondo-se às ondas até desaparecer na imensidão. Voltando-se para o relógio do restaurante, um deles percebe que já é hora de voltar para a empresa onde atuam recém instalada na região. Todos partem então em direção ao Porto do Pecém, para começar o segundo expediente.

Alterações

Depois desse contato visual, a cena tradicional – e cada vez mais rara – da antiga vila de pescadores e os reflexos das mudanças sofridas por uma cidade que se expande vertiginosamente se despedem. Essa espécie de contraste em que passado e presente coexistem e, em determinados instantes, dialogam, simboliza a transição pela qual passa hoje o distrito de Pecém.

As relações de trabalho, o cenário das ruas estreitas e ainda cobertas por paralelepípedos, os temores e expectativas das população mudam constantemente em uma localidade onde o tempo parece passar mais rápido do que em todo o restante do Estado. Em uma série de reportagem, que começa hoje, o Diário do Nordeste pretende mostrar as diversas transformações que vêm acontecendo por lá.

Nesta edição, veja o choque entre o novo e o tradicional no município, além do impacto das mudanças para a economia de São Gonçalo do Amarante.

Apenas 20 pescadores atuam hoje no distrito

O pescador Francisco Venâncio dedicou 52 dos seus 67 anos de idade à pesca. Como não há mais jovens que se interessam pela profissão, ele prevê que a atividade se torne cada vez menos frequente na região

Hoje aposentado, Francisco Venâncio dedicou 52 dos seus 67 anos de idade à pesca. Natural do Pecém, ainda hoje está envolvido, mesmo que indiretamente, à atividade, auxiliando pescadores mais novos. Na época em que entrou pela primeira vez no mar para ajudar outros pescadores, aos oito anos de idade, a pesca era a principal atividade econômica do distrito.

Por muitos anos, recorda, pouco mais havia na cidade do que as moradias, escassos estabelecimentos comerciais e a igreja da única praça da vila. Cerca de 15 anos atrás, relata, quando o Terminal Portuário do Pecém consistia ainda em um projeto que gerava expectativa aos moradores, entre 80 e 100 pescadores atuavam na vila.

Com a construção do porto, vários deles passaram a trabalhar nas empresas que pouco a pouco chegavam na região, enquanto cada vez menos jovens se interessavam pela pesca. Atualmente, diz, em torno de 20 moradores do Pecém se dedicam à atividade. “Essas aí estão quase todas paradas (sem serem utilizadas)”, frisa Venâncio, enquanto aponta para diversas jangadas aparentemente abandonadas na areia.

Um dos filhos de Francisco Venâncio trabalha como soldador em uma empresa que presta serviço para o Porto do Pecém, enquanto o outro atua como eletricista, prestando serviço para várias companhias. Para o pescador, caso não houvesse o porto, o destino dos filhos teria sido buscar oportunidades de emprego em outra cidade ou dedicar-se também à pesca.

Tendência

Mesmo ainda envolvido com a atividade, Venâncio reconhece que a tendência é que a pesca se torne cada vez mais rara no local, já que não há mais jovens interessados na profissão. “E como estão dizendo que o porto vai ser ampliado, vai ser ainda mais difícil pescar aqui”, prevê.

JOÃO MOURA
REPÓRTER

Do Diário do Nordeste

Zeudir Queiroz