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Famílias das vítimas devem ser indenizadas em mais de 78 milhões

Robson Cavalcante

As famílias dos mais de 230 mortos no incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS), podem receber indenização por danos morais de mais de R$ 78 milhões. A estimativa, feita por Leonardo Amarante, advogado especializado em responsabilidade civil, considera que o caso deve ser concluído no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

— Sendo assim, o juiz irá arbitrar. No caso de morte, o STJ tem dado na faixa de 500 salários mínimos.

Dessa forma, as 231 famílias de mortos na tragédia — registrados até a noite de segunda-feira (28) — receberiam cerca de R$ 339 mil cada. Além disso, cabe ainda a indenização por danos materiais. Segundo Amarante — advogado que representou as famílias de mais 60 vítimas do acidente aéreo com o voo 1907 da GOL, ocorrido em 2006, e familiares de dez vítimas do voo 447 da Air France, de 2009, — ainda não é possível calcular esse valor.

— No momento, não tem com precisar valores. Em um caso como esse, onde a maioria das vítimas era estudante, a gente teria que ver a data que cada um ia se formar e a partir dai calcular a indenização com base no possível salário mínimo da atividade profissional que eles desenvolveriam, além de verificar a situação específica de cada um, se eles sustentavam alguém, se já tinham filho, se ajudavam os pais.

A professora de responsabilidade civil da escola de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), Flávia Portella Puschel, explica que, com base nas informações iniciais apuradas até agora, os sobreviventes do incêndio (segundo o Governo do Rio Grande do Sul, 129 pessoas estavam hospitalizadas) também podem entrar com ações na Justiça.

— Tanto os feridos quanto as famílias dos mortos têm direito à indenização a ser paga pela casa noturna, considerada fornecedora, conforme o Código de Defesa do Consumidor e, assim, responsável por danos decorrentes da falta de segurança na prestação de serviço. Esta indenização é tanto por danos materiais, quanto morais. Incluem-se gastos com tratamento médico, funeral, a perda de renda devida aos ferimentos e à morte e danos morais.

No entanto, não é só a casa noturna que pode responder pelo incêndio. As vítimas da tragédia de Santa Maria podem entrar com ações contra outros envolvidos, como explica Adriano Ferriani, professor e chefe do departamento de direito civil da PUC-SP.

— Todos que contribuíram para o evento são responsáveis de maneira solidária, o que significa que as vítimas podem cobrar de qualquer um. Agora, sem a conclusão das investigações, podemos dizer que um dos responsáveis são os donos da casa de show, mas haveria também a responsabilidade da banda e dos integrantes, e precisa averiguar a responsabilidade do poder público em autorizar o funcionamento de uma casa que, aparentemente, não estava regular.

Falta de garantias

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul investiga o incêndio ocorrido na boate Kiss e Amarante acredita, mesmo antes da conclusão do inquérito, que não há como a boate não ser responsabilizada de alguma forma.

— Neste caso, há uma responsabilidade objetiva. Basta provar que o dano ocorreu dentro da boate.

Porém, mesmo assim, as famílias e os sobreviventes não possuem nenhuma garantia de que receberão indenizações no futuro, como explica Flávia.

— O recebimento depende sempre de que o responsável tenha patrimônio suficiente para arcar com as indenizações, o que em casos de danos graves a muitas vítimas é realmente um problema. Se a casa noturna tiver seguro de responsabilidade civil, dependendo dos termos do contrato, as vítimas podem ter maior chance de receber o devido. Se a prefeitura for considerada responsável, o que ainda não é evidente, há maiores chances de recebimento, embora o processo seja bastante demorado em geral.

Ferriani concorda que a complexidade do caso e a quantidade de vítimas complica o desfecho de um processo deste tipo.

— Não é um processo simples e as famílias não têm garantia. O que vai acontecer é que os envolvidos vão entrar com ações que duram anos. Além disso, pela quantidade de vítimas, não imagino que a boate e a banda, caso condenados, consigam arcar com as indenizações.

Caso semelhante

Em fevereiro de 2003, centenas de pessoas assistiam ao show da banda The Great White, no Estado americano de Rhode Island, quando fogos de artifício que faziam parte do espetáculo acidentalmente iniciaram o fogo em uma boate da cidade de West Warwick. Cem pessoas morreram.

Segundo a BBC Brasil, os coproprietários da casa, os irmãos Michael e Jeffrey Derderian, e o empresário da banda, Daniel Biechele, foram a julgamento. Michael e Daniel receberam penas de prisão de 15 anos, mas por meio de uma combinação de acordos para reconhecer a responsabilidade e bom comportamento, só cumpriram entre dois e três. Jeffrey foi condenado à prestação de serviço comunitário.

Além disso, os familiares e as vítimas conseguiram processar com sucesso várias empresas envolvidas no evento — desde as companhias responsáveis por produtos químicos e materiais de construção até a fabricante de cerveja que estava promovendo o show. Segundo o Providence Journal, jornal da capital de Rhode Island, as indenizações somavam US$ 175 milhões (cerca de R$ 355 milhões) até 2010.

* Com informações da BBC Brasil