BRASÍLIA e RIO – Em busca de lucro e melhores resultados, a Caixa Econômica Federal vai abrir, em breve, a possibilidade para que todos os apostadores de suas nove loterias (à exceção da loteria federal) possam fazer jogos pela internet. Atualmente, isso só é possível na Mega-Sena e para quem é cliente da Caixa. Inicialmente, a aposta terá de ser paga com cartão de crédito, e o apostador terá de desembolsar um mínimo de R$ 20 a cada “carrinho de compra”. Mas está nos planos do banco permitir o pagamento com cartão de débito e, futuramente, desenvolver um aplicativo para quem quiser tentar a sorte pelo celular.
O objetivo da Caixa, segundo fontes envolvidas nas discussões, é atrair um público que hoje não frequenta as lotéricas: jovens e pessoas de alta renda. Esse é um dos principais argumentos para enfrentar a posição contrária dos lotéricos, que temem queda de movimento nas lojas físicas.
A medida também reforçará as receitas com tarifas da Caixa, que hoje fica com cerca de 10% dos bilhetes vendidos. Em 2016, foram arrecadados com as loterias R$ 12,9 bilhões. Para este ano, a previsão é de R$ 14 bilhões. Segundo projeções, no primeiro ano de apostas pela internet, o banco arrecadará R$ 500 milhões e, num prazo de cinco anos, entre 4% e 5% da receita total.
Ainda visando a ganhos com tarifas, a Caixa busca um sócio estratégico para participar da licitação da Lotex (Raspadinha), que será concedida ao setor privado. A licitação está prevista para dezembro.
Segundo integrantes do governo, a possibilidade de fazer jogos pela internet é parte uma estratégia maior da Caixa de conquistar clientes no meio virtual, numa época em que os correntistas frequentam cada vez menos as agências físicas. Para isso, o banco está investindo em uma nova plataforma digital — dentro do escopo de medidas para melhorar a eficiência e reduzir custos, com vistas à abertura de capital.
Total de apostas precisará ser de R$ 20
Para vencer a resistência dos concessionários de loterias, a Caixa pretende repassar à rede um percentual da receita obtida com as apostas via internet, desde que os lotéricos deem contrapartida — como, por exemplo, divulgar nas agências a possibilidade de realizar apostas on-line. Os detalhes estão sendo fechados com o Tribunal de Contas da União (TCU), para evitar problemas futuros.
Em reação às novidades, os concessionários de loterias começaram um movimento, com apoio do Congresso, com o objetivo chamar a atenção para o número de unidades que fecharam por causa da crise econômica. Eles também reclamam que a remuneração pelos serviços prestados é baixa. A Caixa, por sua vez, argumenta que essa queixa é natural e faz parte do processo de negociação.
Segundo técnicos a par das discussões, o temor dos concessionários em perder o movimento não faz sentido, porque o público-alvo não frequenta as lotéricas. Além disso, com mais apostas, o valor do prêmio vai aumentar, o que vai atrair mais gente para as lotéricas.
— Isso aconteceu em outros países, como França, Bélgica e Portugal, que têm um modelo semelhante ao nosso — explicou um técnico, acrescentando que a iniciativa da Caixa em oferecer todos os jogos pela internet está em linha com o que acontece no mundo.
Outro argumento é que o apostador da internet terá de jogar pelo menos R$ 20. O tíquete médio nas lotéricas está em entre R$ 11 e R$ 12.
Paralelamente às mudanças na oferta de jogos que a Caixa pretende fazer, os representantes das lotéricas afirmam que, do ano passado para cá, 20% dos estabelecimentos do país fecharam suas portas. Segundo os sindicatos e empresas da área, são dois problemas principais. Como o setor não tem regulamentação, as lotéricas têm de seguir os contratos com a Caixa, cujas taxas, repassadas pelo banco nos serviços prestados, não preveem reajuste pela inflação. Outro problema é que, com o aumento do valor do seguro cobrado pelas transportadoras, a Caixa não elevou, no mesmo patamar, o chamado “adicional de segurança”. No Rio, o repasse da Caixa só cobre 60% do custo do transporte do dinheiro, contra cerca de 70% na média do país.
— A situação está bem complicada. Já vi de tudo nessa crise, mas lotéricas fecharem as portas é a primeira vez — disse o presidente do Sindicato das Lotéricas do DF, Jair Magalhães, destacando que boa parte das lojas que pararam de funcionar estava em municípios que só contam com lotéricas para efetuar serviços bancários.
Segundo a Federação Brasileira das Empresas Lotéricas, só no primeiro semestre deste ano foram fechadas 104 agências no país. Em 2016, foram 74. Ou seja, o número de casas fechadas em 2017 deve dobrar em relação ao ano passado. No Rio de Janeiro, são 1.200 lotéricas. Em dois anos, cem fecharam.
Jodismar Amaro, presidente da federação e do sindicato de lotéricas de São Paulo (SINCOESP), diz que a situação das empresas é grave, pois o contrato com a Caixa não prevê cláusulas de reajuste contratual:
— Com isso, as lotéricas têm perdas enormes. E trabalhamos com valores defasados. Além disso, grande parte das loterias Brasil afora tem dívidas com a própria Caixa. É uma situação complicada.
Metade das 13 mil lotéricas no Brasil tem empréstimos com a Caixa, em um volume que soma cerca de R$ 600 milhões, segundo a federação do setor.
Marcelo Gomes, vice-presidente do SINCOERJ, que reúne as lotéricas do Rio, diz que, nos últimos dois anos, houve mais de 600 demissões no estado:
— As tarifas defasadas da Caixa dão prejuízo. Hoje, recebemos, em média, 0,54%. Para cobrir as despesas, teria de ser 0,83%. Para termos lucro, teria de ser 1,06%, conforme o projeto de lei que está para ser votado em Brasília. Estamos usando o dinheiro da prestação de contas para sobreviver.
A crise nas lotéricas foi tema de pronunciamento realizado, há cerca de um mês, pelo deputado Júlio Lopes (PP-RJ). De acordo com ele ele, a situação é de “penúria absoluta”. No caso das tarifas, Lopes ilustrou:
— Em um boleto, se a tarifa bancária é de R$ 4,00, a lotérica fica com R$ 0,40 — afirmou.
Ele disse, ainda, que havia um compromisso da Caixa de apresentar uma resposta, até 31 de agosto, em relação à elevação de seguro de transportes e que as loterias foram oneradas em mais de 50%. Ele afirmou que os estabelecimentos estão há dois anos sem qualquer reajuste de suas tarifas nas cobranças, o que torna a situação deles insustentável.
O deputado citou a capilaridade do sistema bancário do país, que depende tanto das lotéricas como dos Correios, que vêm fechando agências, principalmente em municípios pequenos:
— Ora, se os postos do Correio não funcionam, e os lotéricos estão em petição de miséria, que capilaridade terá o nosso sistema bancário, quando os grandes bancos não querem mais contas de pequenos poupadores?
Procurada, a Caixa informou que mantém diálogo permanente com os lotéricos e analisa a pauta de reivindicações, “com o intuito de atender e ou buscar soluções alternativas que favoreçam a sustentabilidade da rede lotérica”. A instituição destacou que os reajustes são periódicos: em junho/julho de 2016, as tarifas foram elevadas em 13,17%, na média, e, em agosto deste ano, em 8,5%. Além disso, afirmou o banco, o adicional de segurança para transporte de valores foi reajustado em 10,43% em 2016 e em 40% este ano.
A Caixa também informou que há 13 mil unidades lotéricas no país, sendo que em 2.569 municípios elas são o único canal bancário. Procurada para falar sobre a questão do reajuste das tarifas, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que não iria se manifestar. (O Globo – Eliane Oliveira – Geralda Doca – Bruno Rosa)
Fonte: http://www.bnldata.com.br
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