Idealizada há mais de um século, Transposição do Rio São Francisco já custa o dobro e se arrasta há cinco anos
O engenheiro civil Cássio Borges alerta para a gravidade da situação do Estado caso a seca se prolongue até 2014 FOTO: JOSÉ MARIA MELO
Enquanto o Nordeste vivencia o segundo ano consecutivo de uma das piores secas de sua história, obras que poderiam minimizar os efeitos da falta de água no sertão ainda se arrastam sem previsão de término. Iniciada há cinco anos, embora o projeto embrionário tenha sido apresentado há mais de 100 anos, somente 40% das obras da Transposição das Águas do Rio São Francisco foram concluídas. Os custos, inicialmente orçados em R$ 4,5 bilhões, quase duplicaram, chegando a R$ 8 bilhões.
Especialistas e lideranças cearenses apontam que falta de pressão política, mau planejamento e corrupção favorecem a morosidade da obra. O objetivo da transposição é formar uma sinergia hídrica capaz de ampliar a capacidade de armazenamento dos açudes. A estimativa do Ministério da Integração Nacional é de que a obra beneficie aproximadamente 12 milhões de pessoas, em especial dos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Apesar de a empreitada ter sido mais amplamente debatida nas últimas décadas, o assunto já vinha sendo discutido desde o século XIX. Em 1847, o engenheiro cearense Marcos de Macedo defendeu a ideia da transposição do Rio São Francisco no Parlamento. Nos anos 1960, foi a vez do deputado Wilson Roriz, do Crato, levantar a bandeira, mas ainda como voz isolada.
Na história recente do Ceará, um dos políticos a idealizar o projeto foi Roberto Pessoa (PR), ex-deputado e ex-prefeito de Maracanaú, ainda nos anos 1990. À época, o ministro da Integração Regional, Aluísio Alves, tocou o projeto da integração. Entretanto, a obra só seria efetivamente iniciada mais de dez anos depois. “Se esta obra estivesse pronta há pelo menos dois anos, não estaríamos com esse problema grave”, critica Pessoa, referindo-se aos efeitos da seca.
Revitalização
A proposta apresentado pelo ministro da Integração Regional em 1994 previa a captação de 150 metros cúbicos por segundo, também para a irrigação e em um único canal, sem a revitalização do Rio São Francisco, integrando os açudes Castanhão, Armando Ribeiro Gonçalves e Santa Cruz. O projeto atual é de que a vazão seja de apenas 26 metros cúbicos por segundo, de forma contínua, mas podendo atingir até 120 metros cúbicos, caso a barragem de Sobradinho, na Bahia, atinja 90% de sua capacidade.
Na prática, a proposta de reduzir a vazão facilitou que os estados das bacias doadoras, principalmente Bahia e Sergipe, apoiassem a ideia, pois lideranças desses estados ponderavam que a transposição traria prejuízos financeiros a essas regiões.
De acordo com o engenheiro Cássio Borges, especialista em recursos hídricos, se o empreendimento já tivesse sido concluído, a população estaria em situação menos precária, apontando que 100 mil cabeças de gado já morreram de fome e sede no Ceará. “Essa seca mostrou mais do que nunca a importância desse projeto. Esse programa de transposição é urgente”, aponta.
Cássio Borges ainda alerta para o futuro do Estado, caso o período seco se prolongue até o próximo ano. “Se tivermos mais um ano de seca, em 2014, eu não sei como vai ficar a situação da população. O que será do estado do Ceará?”, questiona. Outro aspecto apontado por ele é o encarecimento da obra, pois algumas estruturas já estão sendo deterioradas e, portanto, precisarão ser reconstruídas.
Burocracia
O professor Nilson Bezerra, do curso de Geografia da Universidade Federal do Ceará, acrescenta que um dos motivos que interferem na celeridade das obras é a falta de planejamento do poder público e a burocracia das licitações. “Falta planejamento de instituições mais perenes. Muda a equipe a cada governo e isso prejudica a continuidade”, expõe. E completa: “Há um excesso de burocracia que tenta combater a corrupção, mas não combate. A burocracia é tão grande que encarece a obra e deixa de resolver os problemas mais graves”, pondera.
O ex-deputado Roberto Pessoa avalia que o atraso e encarecimento nas obras são agravados por corrupção nas licitações. “Isso tudo favorece a corrupção, as empresas que vão fazer negociata”, diz. Já o engenheiro Cássio Borges justifica que o valor inicial do projeto, R$ 4,5 bilhões, é “irreal”. Ele opina que o Ministério da Integração subestimou o montante para não incitar os opositores da Transposição.
Sobre a morosidade do projeto, Pessoa aponta a falta de pressão política da bancada federal do Nordeste para dar agilidade às obras. “O Nordeste e suas elites políticas nunca levaram a sério o problema do Nordeste, que tem 27 senadores e 151 deputados federais. Está faltando milho no Ceará, mas o Brasil é o maior exportador do mundo”, critica.
Do Diário do Nordeste
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