Se o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) não avaliar de maneira “urgente, urgentíssima” a decisão do presidente Joaquim Barbosa de proibir o trabalho externo no regime semiaberto, vai levar o sistema prisional “a uma crise sem precedentes”. A opinião é do presidente da Coordenação Nacional do Sistema Prisional da OAB federal, Adilson Rocha.
A decisão de Barbosa poderá impactar a sentença de uma população entre 100 mil a 200 mil prisioneiros que hoje em dia cumprem a pena do semiaberto trabalhando em estabelecimentos privados. Tudo isso devido à repercussão que uma decisão do STF poderá ter sobre centenas de juízes que trabalham em Varas de Execução e na justiça estadual.
A Lei de Execução Penal, de 1984, exigia que o trabalho no semiaberto fosse feito no interior do estabelecimento prisional, em colônias agrícolas ou industriais, ou mesmo externamente, mas administrado pela penitenciária. Com o tempo, constatou-se que nenhum presídio do país tinha condições de oferecer essa alternativa. Com isso, os presos do regime semiaberto acabam cumprindo pena em regime fechado.
Os presos do regime semiaberto cumpriam no regime fechado. Alcançavam progressão de regime mas na prática não acontecia nada. Em vista desse quadro, os tribunais, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF, consideraram que se o Estado não garabte os meios para o cumprimento da pena em condições adequadas, não poderia haver a execução no meio mais gravoso. Ou seja, o prisioneiro não poderia ser punido pela falta de condições do Estado.
Dentro dessa lógica, criou-se uma ampla jurisprudência garantindo ao condenado ao semiaberto trabalhar em estabelecimentos privados. Em alguns Estados, podem trabalhar na própria casa, monitorados por tornozeleira eletrônica. Ao atropelar a jurisprudência, Joaquim Barbosa criou uma situação potencialmente explosiva para todo sistema penitenciário, já que não existem condições sequer de abrigar a atual população carcerária.
Por esses riscos, Rocha acredita que o pleno do STF terá que se manifestar rapidamente, para impedir uma situação de caos.
Fora da lei
Ainda nesta segunda-feira, o presidente do Partido dos Trabalhadores, deputado Rui Falcão (SP), divulgou nota na qual condena a atitude de Barbosa.
“Ao obstruir novamente, de forma irregular e monocrática, o direito de José Dirceu cumprir a pena em regime semiaberto,o ministro Joaquim Barbosa comete uma arbitrariedade, tal como já o fizera ao negar a Jose Genoino, portador de doença grave, o direito à prisão domiciliar. Mais ainda: apoiando-se em interpretação obtusa, ameaça fazer regressar ao regime fechado aqueles que já cumprem pena em regime semiaberto, com trabalho certo e atendendo a todas as exigências legais. O PT protesta publicamente contra este retrocesso e espera que o plenário do STF ponha fim a este comportamento persecutório e faça valer a Justiça”, diz a nota.
Em sua coluna, no domingo, o jornalista Janio de Freitas também demonstra que Joaquim Barbosa causou mais um dano de grandes repercussões ao Judiciário, ao determinar que José Dirceu, condenado ao semiaberto, cumpra sua pena em regime fechado; na prática, Janio diz que o presidente do Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, agiu fora da lei; “O Direito não é tão errado”, resume; para ser coerente, Barbosa deveria agora determinar que todos os condenados ao semiaberto no País – mais de 100 mil – sejam novamente encarcerados
Na prática, o chefe do Poder Judiciário no Brasil não respeita as leis, segundo Freitas. Como não se pode desrespeitá-las apenas para um réu, alvo de sua perseguição numa “louca cavalgada”, como argumenta o jornalista Paulo Nogueira, Barbosa deveria rever a situação de todos os detentos condenados ao semiaberto no Brasil.
Leia, a seguir, os principais trechos do artigo de Janio de Freitas:
Direito ou errado
“Cassadas as licenças de trabalho aos condenados do mensalão, Barbosa vai ter de cassar todas as outras.
“Quem tenha interesse, seja para o futuro eleitoral ou por outros propósitos, na permanência do ‘caso mensalão’ como assunto incandescente na opinião pública, a mais recente decisão do ministro Joaquim Barbosa soa como melodia. Não só por manter José Dirceu preso em regime fechado. Sobretudo, isso sim, pelo fundamento invocado, que assegura novos embates de grande repercussão. Aliás, com o próprio ministro Joaquim Barbosa como personagem central.
“O início da fermentação não tarda. Joaquim Barbosa entende, contrariamente ao adotado pela Justiça brasileira, que condenados ao regime semiaberto devem cumprir um sexto da pena em prisão fechada. Cassadas por isso as licenças de trabalho externo dadas a Romeu Queiroz e a Rogério Tolentino, e negada a licença a José Dirceu, até para não ser incoerente Joaquim Barbosa deverá cassar todos os outros já com trabalho externo. É uma fileira de nove.
“Aí está uma ideia da movimentação de recursos a ocorrer em breve. Já nos próximos dias, porém, um dos mais importantes dentre eles, senão o mais, será encaminhado pelo advogado José Luis Oliveira Lima: com um agravo regimental, ele vai requerer que sejam submetidas ao plenário do Supremo Tribunal Federal a interpretação de Barbosa e as consequentes prisões fechadas de condenados ao semiaberto.
“Oliveira Lima não tem motivo para contar com o atendimento à sua providência: o presidente do STF tem negado todos os seus recursos. Mas, de uma parte, desta vez a recusa tenderia a gerar um problema no Supremo. E, de outra parte, caso prevaleça, não há dúvida de que Oliveira Lima leve ao Conselho Nacional de Justiça um recurso com questionamentos amplos.
“A divergência suscitada por Joaquim Barbosa precisa mesmo de uma solução definitiva, que não pode ser determinada por ele só. Prevalece em toda a Justiça, seguindo decisão já antiga do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que a Lei de Execuções Penais se refere aos condenados a regime fechado ao dizer que, para passar ao regime semiaberto, é preciso ter cumprido um sexto da pena (o semiaberto consiste em saída para trabalhar e recolhimento à prisão ao fim do expediente, se atendidas condições como boa conduta, aprovação do emprego, e outras).
“Joaquim Barbosa considera que aquela lei determina regime fechado, durante um sexto da pena, mesmo para os condenados ao semiaberto. Parece claro que, se assim quisesse, a lei o diria, entre tantos dos seus pormenores. E não se justifica que seja feita ao condenado a regime semiaberto, mediante as condições explicitadas, a mesma exigência feita ao condenado a regime fechado, de reclusão total durante um sexto da pena para receber o direito ao semiaberto. Sentenças ao regime semiaberto e ao fechado têm pesos diferentes, logo, seus cumprimentos não podem ser idênticos. O Direito não é tão errado.
“Quem mais deseje se beneficiar com a reprise fique ao menos prevenido de que, ao final, talvez conclua não ter sido boa ideia”.
Fonte: Correio do Brasil
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