Em Canindé, grandes imóveis pertencentes a políticos e empresários locais estão construídos em áreas de foreiros, terras do Dnocs que deveriam ser exclusivas para pequenos produtores
Na área do açude São Mateus, em Canindé, a cerca de 110 quilômetros de Fortaleza, não é só a falta de um espelho d’água em tempos de seca que chama atenção. Em lotes de terra (foros) cedidos pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), que segundo o órgão deveriam estar sendo utilizados ou ocupados exclusivamente por agricultores familiares, há mansões suntuosas e imóveis que se destacam pelo porte não condizente a pequenos produtores rurais.
Boa parte desses imóveis tidos como indevidos no local pertence a políticos e empresários locais. Há edificações grandes, luxuosas ou mesmo de perfil comercial, destoando de critérios estabelecidos pelo Dnocs para ocupação dos foros. Uma das casas, pertencente a um ex-prefeito de Canindé, chama atenção pelo requinte na fachada e pela exuberância.
Na mesma rua, na localidade Jubaia, pelo mesmo critério de luxo, outras três casas são apontadas preliminarmente pelo Dnocs como fora do padrão para os lotes de foreiros. Uma é de outro ex-prefeito e as outras duas (uma já pertenceu a um ex-vice-prefeito) são de empresários. Há dois parques de vaquejada e até um galpão, ao lado da barragem do reservatório, onde é embalado açúcar para revenda.
O POVO registrou pelo menos 15 dessas construções tidas como irregulares dentro das áreas de foro em Canindé, entre os açudes São Mateus e Salão. O jornal opta por ainda não divulgar o nome dos proprietários porque as irregularidades específicas de cada endereço, menos ou mais graves, não foram apontadas conclusivamente pelo Dnocs.
“Realmente parece que existem alguns políticos e empresários lá. Algumas dessas pessoas estão com esses imóveis lá. Nenhum daqueles imóveis está de acordo com as normas do Dnocs. Estão todos fora do padrão”, confirma o coordenador estadual do Dnocs no Ceará, José Falb Ferreira Gomes. Para ocupar, o foreiro admitido recebe documento de cessão do Dnocs. Paga uma anuidade, de aproximadamente R$ 50, que varia pelo tamanho do lote (de dois a 40 hectares, em Canindé).
“Houve gente que trocou lote com outro ou vendeu. Mas vendeu só da boca pra fora, porque não poderia vender. Gente que construiu irregularmente casa ou outro tipo de prédio”, descreve Falb. Mesmo com o detalhamento, ele pondera que “ainda são informações preliminares”.
“40% irregulares”
Num levantamento in loco feito pelo Dnocs, Falb diz que já há dados apontando que 40% dos foros (153 unidades) do São Mateus e 10% dos lotes (65) ao lado do Salão estejam irregulares. “É um índice alto, sim”, confirma. “Todos que fizeram as invasões fizeram conscientemente. Não tem ninguém desavisado lá. Todos sabiam que era área de propriedade do Dnocs”. O órgão quer regularizar o que esteja fora dos critérios de ocupação e uso.
A área total dos dois foros soma 1.358 hectares e foi percorrida por duas equipes de engenheiros agrônomos e topógrafos do órgão, entre agosto e a primeira semana de setembro. No trabalho, fizeram demarcações georreferenciadas de cada lote para definir as dimensões exatas que devem ser ocupadas e as áreas de preservação permanente no entorno dos dois açudes. Também foi aplicado um questionário socioeconômico para saber quem está ocupando os lotes. O relatório final está sendo redigido pelos agrônomos Fábio Fiock e Maurício Almeyda.
Quem teve irregularidade apontada foi comunicado pelos técnicos para necessidade de regularização, mas ainda será notificado formalmente. José Falb admite que a falta de pessoal e de recurso de custeio no Dnocs para fiscalização não permitiram o acompanhamento necessário e as construções e ocupações indevidas nos lotes de foreiros se agravaram ao longo da última década. São 11 servidores para vistoriar 66 açudes.
O levantamento está sendo tocado pelo Dnocs por recomendação do Ministério Público Federal. “Esta situação vem desde 2000, quando o MPF foi provocado a primeira vez”, diz o procurador da República Francisco Alexandre de Paiva Forte, da unidade de Limoeiro do Norte, que cobre demandas de Canindé. Pelo inquérito civil público nº 1.15000.001208/2008-23, aberto em 2005 e depois redistribuído, foi determinada a inspeção feita só agora na região.
“Foi solicitado que fizessem um levantamento e ver dentro das condições reais qual a melhor forma de proteger a área que é de propriedade do Dnocs”, explica o procurador. Ele reconhece que a urbanização desordenada de Canindé pode ter se alastrado para o entorno dos açudes. Mas disse que aguardará o relatório do Dnocs para avaliar cada caso.
“Pode haver situações em que seja possível fazer um Termo de Ajustamento de Conduta e outras pode ser que sejam caso de demolição”, antecipa o procurador. Demolir seria a sanção mais severa, alerta Francisco Alexandre.
Fonte: O Povo
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