Juazeiro do Norte. A velha Lira Nordestina dos anos 30 dava oportunidade de levar a população a notícia em forma de verso. Mesmo os que não sabiam ler e nem escrever ouviam dos poetas e declamadores as palavras que circulavam cidades, ditas a partir dos folhetos.
Era a informação popular, de fácil entendimento, com o direito de levar o sorriso com histórias engraçadas e que se tornaram verdadeiros clássicos do cordel, como o Romance do Pavão Misterioso e A chegada de Lampião no Inferno.
Palavras construídas com as tipologias, dando origem às primeiras edições desses folhetos no Cariri, hoje não mais possíveis pela ausência desse material. Atualmente, a Lira está sem as produções dos cordéis.
Os xilógrafos aproveitam o tempo que ocupam o espaço da gráfica, para divulgar o pouco que produzem, como as xilogravuras. No local, produzem as matrizes em madeira e criam alternativas para imprimir a marca produzida de forma artesanal. São desde chinelos, cerâmicas, bolsas, camisetas, ou histórias tematizadas, como o Padre Cícero ou os Orixás, trabalhos realizados pelo xilógrafo Cícero Lourenço, que com o irmão José Lourenço, permanecem na Lira como verdadeiros guardiões de uma história frequentemente contada para visitantes e turistas no espaço, atualmente sob a administração da Universidade Regional do Cariri (Urca).
Neste ano, Cícero Lourenço afirma que praticamente não fez nenhum cordel. A instituição há alguns anos chegou a adquirir máquinas offset para publicação dos livretos, mas há necessidade de manutenção dos equipamentos. As velhas máquinas de corte de papel, ainda utilizadas no começo da Lira, quando era gráfica São Francisco, no Centro de Juazeiro do Norte, permanecem no local.
São admiradas por as pessoas que procuram o espaço e esperam vê-las em atividade, conforme Cícero, reavivando uma parte da história da tipografia no Nordeste brasileiro, significativa. Pesquisadores enfatizam a permanência do cordel, herança ibérica que atravessa séculos. Há mais de cem anos, essa arte está em Juazeiro do Norte, que se destacou no Nordeste pela grande quantidade de poetas cordelistas e produção de folhetos. São as novas linguagem que asseguram essa sobrevivência, segundo a pesquisadora e historiadora, Professora Rosilene Melo, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Em contrapartida, o xilógrafo Cícero Lourenço diz que há uma carência muito grande de projetos que assegurem o bom andamento da Lira. Para ele, há uma carência de maior divulgação dos trabalhos dos xilógrafos da região.
Além disso, admite que ainda são poucos os espaços destinados à venda dos trabalhos, além das exposições. A forma de poder sobreviver é vendendo aos estudantes e turistas que vão ao local do seu trabalho. Ele disse que não sabe como vai ser com a possível transferência da gráfica para o Centro Multiuso, onde estarão outras instituições estaduais, em relação às vendas do material produzido. Imagina dificuldades para ter compradores. A mudança será uma necessidade da própria universidade, incluindo os cursos de Artes Visuais e de Teatro.
Os estudantes do curso também dividem espaço com os xilógrafos da Lira, com oficinas de serigrafia, entre outros trabalhos que realizam. Há dois meses, segundo Cícero, o local não tem recebido visitas. O seu avô chegou a trabalhar na gráfica. Operava a velha máquina de cortar papel. As máquinas de linotipo estão em exposição. Eram três, uma delas há alguns anos, período antes de ser levada para estação, acabou se tornando ferro velho e foi destinada à sucata. Sem ter lugar para ir, a Lira acabou sendo adquirida pelo Governo do Estado, e foi levada para a antiga estação ferroviária, quando foi passada à universidade.
Na Lira, as fotos dos seus principais partícipes fundadores estão nas paredes. O romeiro alagoano, José Bernardo da Silva fez a história de grande relevância do cordel no Brasil, passando pelos tipos da São Francisco e as matrizes de xilo, trabalhadas nas mãos de quem construía a consolidação de uma linguagem simples, clara e em versos. Um poder de comunicar de alcance global.
Zelo
Para a pesquisadora, é inadmissível que a região não tenha uma instituição que zele pela memória do cordel no Cariri. “Os documentos estão dispersos, muita coisa foi relegada. Basta dizer que na própria Lira Nordestina não temos cordel, nem para pesquisa, nem para compra”, lamenta. Em 2012 foram produzidos 1000 cordéis, para a coleção em comemoração aos cem anos de Juazeiro do Norte. Cícero lembra que foi a última grande produção, com o trabalho de elaboração das xilos. Maioria dos cordéis fez parte da reedição dos clássicos.
O mais interessante é que se deu ênfase à tradição para a produção das capas dos livretos. Todas as xilos foram produzidas na sede da histórica gráfica de cordéis, pelos xilógrafos Stênio Diniz, Airton Laurindo, José Lourenço, Cícero Lourenço, Francisco Correia Lima – Francorly, Antônio Dias, Nino, Cosmo Lemos e Cícero Vieira e Manoel Inácio talharam as peças na umburana, para dar mais durabilidade às matrizes. Um momento importante para os artistas que representam uma das expressões mais originais da terra do Padre Cícero.
A história do cordel no Nordeste tem uma relação importante com Juazeiro do Norte, já que foi na cidade que por muitos anos atuou o tipógrafo José Bernardo da Silva, fundador da Tipografia São Francisco, em 1926, se tornando uma das mais renomadas do Nordeste. As atividades foram encerradas em 1982, mas resta a Lira Nordestina, onde são preservados equipamentos históricos da gráfica.
Referencial
Há poucos anos, era possível se ver bem mais tipologias na gráfica. Hoje, os espaços destinados a essas peças, as letrinhas que preenchiam os folhetos de palavras, estão vazios. “Não há como produzirmos mais os cordéis aqui de forma artesanal. Além de não termos tipos suficientes, há uma dificuldade em se adquirir as peças, para dar o diferencial do produto, desde a xilogravura ao livreto, completo”, explica Cícero.
A Lira Nordestina passou poucos anos com o referencial de Ponto de Cultura. Chegou a receber em suas instalações o cantor e compositor Gilberto Gil, quando ele ainda era Ministro da Cultura. “Para a gente poder continuar esse trabalho, precisamos de muita força de vontade”, afirma. Mesmo com essa realidade, Cícero acredita no cordel. Os novos alunos, segundo ele, estão, mesmo que pouco, recebendo o incentivo na sala de aula, para se inserir nesse mundo a poesia popular. Com frequência, os xilógrafos dão cursos sobre o assunto. A esperança é de reavivamento da Lira, através da execução de novos projetos. (E.S)
Mais informações:
Gráfica Lira Nordestina
Avenida Castelo Branco, 150
Romeirão
Juazeiro do Norte
Fonte: Diário do Nordeste
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