Se a persistência transpõe todo obstáculo, a fé e orações podem alcançar graças. E nada mais simbólico do que, em plena Semana Santa, Fortaleza receber a notícia de que um de seus filhos mais queridos, dom Helder Câmara, está mais perto de se tornar santo. Menos de um ano depois do pedido de abertura do processo de beatificação do ex-arcebispo de Olinda e Recife, conhecido como “Irmão dos Pobres”, a Cúria Romana emitiu seu primeiro parecer favorável. Com isso, o processo começa.
Essa possibilidade renova as esperanças dos familiares, dos que conviveram com o pastor e de toda a comunidade católica cearense.
“Já não era sem tempo”, comemora o bispo emérito de Limoeiro do Norte, dom Edmilson Cruz. Para ele, há merecimento pela importância da obra daquele que foi um dos idealizadores e fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Cruz acredita que toda documentação será reunida rapidamente e que a necessidade de comprovação de milagres não será problema.
Dom Edmilson destaca que o processo de Helder se junta ao de outros cearenses de nascimento e de coração, como Antônio de Almeida Lustosa, Padre Ibiapina, Rosita Paiva, menina Benigna e do Padre Cícero (para a sua reabilitação sacerdotal). “No caso de o ‘Dom’, como ele é carinhosamente chamado pelos pernambucanos até hoje, terá o olhar especial de nosso papa Francisco”, avalia.
Memórias
O menino nascido nas imediações do Passeio Público, indo morar no primeiro ano de vida em um casarão onde hoje funciona o Mercado Central, sempre demonstrou força para a defesa dos mais carentes. Um de seus sobrinhos, o pesquisador Cristiano Câmara, relata que sua casa fica exatamente no antigo quintal do religioso famoso.
“Ele foi para o Rio de Janeiro e, depois, para Recife, muito jovem, aos 27 anos de idade, mas sempre vinha aqui. Uma de minhas lembranças mais fortes é de vê-lo na porta da residência conversando com meu pai, no caso, seu irmão mais velho, Gilberto, que era o conselheiro dele”, conta. O imóvel a que o pesquisador se refere ficava na Av. Alberto Nepomuceno, 245 e a sua moradia fica na Rua Baturité, no Centro.
Cristiano afirma que, desde cedo, o tio já demonstrava a preocupação com as injustiças sociais e tinha ideias avançadas para a época. “Eu ia dormir na casa dele e me impressionava com a quantidade de livros. Mesmo morando fora, ele sempre vinha aqui e ficava alegre”, frisa.
Não só pelo valor de ter sido a residência de um dos líderes religiosos brasileiros mais carismáticos e proeminentes, como também pela sua relevância histórica, Câmara critica a venda do imóvel. “Esse casarão deveria ser o Museu Dom Helder”, destaca o pesquisador.
Um dos mais entusiasmados com o início do processo de beatificação é o padre Geovane Saraiva, da paróquia Santo Afonso, na Parquelândia.
Autor de três livros sobre o ex-arcebispo de Recife e Olinda, aposta até na possibilidade da dispensa pelo papa da comprovação de milagres, com fez com João XXIII. “Pelo conceito elevado que ele tem e tudo que inspira de amor ao próximo e trabalho pastoral dentro da Igreja, acredito sim nessa ideia que não deve ser descartada”, declara.
Até porque, segundo o pároco, foram muitos alcançados durante a vida. “Além disso, fundou o Banco da Previdência para ajudar pessoas na faixa da miséria, que tinham direito à alimentação, atendimento médico, remédios, enxovais para bebê, cursos profissionalizantes”, acrescenta.
Caminhos
Padre Geovane explica que, com “Nihil Obstat – nada consta” de Roma, o próximo passo é a autorização dos trâmites em nível diocesano, que depende do posicionamento de outros dicastérios. Em seguida, uma comissão jurídica vai avaliar as “virtudes heroicas” do religioso por meio do estudo de textos publicados em vida e análise dos testemunhos de pessoas que conheceram o “Dom da Paz”.
Depois dos estudos, o relator do processo, a ser nomeado pela Congregação para a Causa dos Santos, deverá elaborar um documento denominado “Positio”, que é um compêndio das análises realizadas pela comissão. Assim que aprovado, o papa concede o título de Venerável Servo do Senhor. Somente após essas autorizações é que acontece a beatificação.
“Ser beato, ou bem-aventurado, significa representar um modelo de vida para a comunidade e, além disso, ter a capacidade de agir como intermediário entre os cristãos e Deus e isso ele fez muito bem. Isso ninguém pode questionar”, ressalta.
Depois, ainda é preciso passar por mais uma fase: a canonização. Para ser proclamado santo, é imprescindível a comprovação de um milagre, que deve ocorrer após sua nomeação como beato. Ele lembra que, além dos cearenses, existem outros processos de beatificação ligados à região Nordeste. Cita o de frei João Pedro de Sexto São João, fundador da Congregação das Irmãs Missionárias Capuchinhas (cuja casa geral fica o bairro de Messejana, em Fortaleza); o da irmã Dulce, de Salvador (BA), cuja beatificação está próxima; e o do conhecido missionário nordestino Frei Damião.
Início
Dom Helder Camara nasceu em 7 de fevereiro de 1909, em Fortaleza, e teve 12 irmãos. Após entrar muito jovem no Seminário da Capital do Ceará, se tornou padre aos 22 anos.
Comandou a Arquidiocese de Olinda e Recife até o dia 10 de abril de 1985, quando – por atingir a idade limite de 75 anos – foi substituído pelo arcebispo dom José Cardoso Sobrinho. Ele morreu em sua casa, no Recife, em 27 de agosto de 1999, devido a uma insuficiência respiratória decorrente de uma pneumonia. Seus restos mortais estão sepultados na Igreja Catedral São Salvador do Mundo, em Olinda.
Pelo seu trabalho em defesa dos direitos humanos, dom Helder recebeu vários prêmios internacionais, como Martin Luther King, nos Estados Unidos, 1970; e o Prêmio Popular da Paz, na Noruega, 1974. O religioso é autor de 22 livros, a maioria ensaios e reflexões sobre o terceiro mundo e a Igreja.
Lêda Gonçalves
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
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