Para prestar assistência a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, é preciso que toda a rede de proteção funcione de forma efetiva. O problema é que, em Fortaleza, não existe retaguarda. A afirmação é do conselheiro tutelar Aurélio Araújo. É com este tema que a série “Vidas nas Sombras das Ruas” encerra-se hoje.
“Quando estamos de plantão à noite e acolhemos uma criança na madrugada, ou recebemos uma denúncia e vamos checar, para onde iremos encaminhá-la? A gente liga para as unidades de acolhimento solicitando vagas, mas elas não existem”, reclama o conselheiro.
O curioso, acrescenta Araújo, é que durante a Copa do Mundo, em junho deste ano, as vagas surgiam. “Se durante 30 dias a gente teve capacidade de trabalhar em rede com o Ministério Público do Estado (MPE), o Juizado da Infância e da Juventude, os agentes de proteção, os Conselhos Regionais de Serviço Social (Creas) e os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), dá para fazer nos 365 dias do ano ou mais”, acredita.
O conselheiro acrescenta que, durante um mês, foi possível articular esses espaços de convivência, tirar os meninos que estavam em vulnerabilidade e levá-los às três escolas disponibilizadas pelo Município e às unidades de acolhimento que, surpreendentemente, tinham vagas. “A gente não compreendeu que mágica foi essa, mas as vagas surgiam. Agora, a gente procura e não tem mais vagas. Necessitamos dessa retaguarda, tanto de dia quanto de noite”.
Conselhos tutelares são a porta de entrada da população para denunciar todo e qualquer tipo de violação de direitos de crianças e adolescentes. A Resolução 139 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) orienta a média de um conselho para cada 100 mil habitantes. Em Fortaleza, porém, o número ainda está muito aquém do esperado. São apenas seis conselhos, um em cada Secretaria Regional, quando deveriam ser 25 – o que representa defasagem de 19.
A consequência desse déficit fica evidenciada no atraso da apuração das denúncias recebidas. “Diariamente, as acusações de violações de direitos estão chegando, mas a gente não tem perna para atender tudo”, diz. Além das condições precárias de funcionamento dos conselhos, outro problema é o atraso no pagamento do aluguel dos imóveis que abrigam as unidades.
Mudança
É o caso do Conselho Tutelar IV, situado no bairro Vila Betânia. Araújo conta que, todos os dias, o proprietário pede a casa, porque há meses o aluguel não é pago. Mas, em vez de quitar a dívida, a solução que o Município encontrou foi mudar a sede para o Bairro de Fátima, distante do público alvo da unidade, que abrange os bairros Itaperi, Serrinha, Montese, Parangaba, Vila Betânia e Vila Pery.
“Para a Prefeitura, vai ficar melhor, porque ela vai deixar de pagar esse aluguel e vai contratar um outro. Mas, para nós que atendemos a população que está aqui no entorno (Vila Betânia), vai ser ruim. O que teria de se fazer é criar um novo conselho no Bairro de Fátima”, afirma. O conselheiro aponta que a política da criança e do adolescente não é priorizada em Fortaleza. Para ele, falta fazer com que, de fato, seja efetivado que está posto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Nós tivemos avanços, mas ainda temos que progredir muito mais”.
Os profissionais que vão atuar diretamente no atendimento de crianças e adolescentes cujos direitos foram violados é outro ponto importante a ser considerado. Uma denúncia recorrente entre as pessoas que atuam com este segmento da sociedade é em relação ao grande número de profissionais terceirizados, impossibilitando que seja dado continuidade dos trabalhos desenvolvidos. Nos conselhos tutelares, por exemplo, todos os conselheiros são terceirizados. “É preciso que essas pessoas estejam, no mínimo, alinhadas com o que diz o ECA”, frisa. Para resolver a questão, Araújo defende a realização de concurso público.
Inspeções
Deficiências quanto à estrutura física, segurança e habitabilidade foram alguns problemas identificados pelo Ministério Público do Estado (MPE) durante a última visita às unidades de acolhimento institucional de Fortaleza, em julho. Constatou-se, também, que as 16 instituições inspecionadas não tinham registros da Vigilância Sanitária e nem do Corpo de Bombeiros. Por determinação do Conselho Nacional do Ministério Público, as visitas ocorrem a cada quatro meses.
Luciano Tonet, promotor de Justiça da 6ª Promotoria da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado (MPE), comenta que a integração da rede durante a Copa do Mundo foi um dos principais legados que o evento deixou. Porém, reconhece que o desafio agora é fazer com que essa rede continue.
“Com a Copa, nós pudemos verificar vários desses problemas, porque a rede toda trabalhou em conjunto e, quando isso aconteceu, pode-se observar quais os pontos de fragilidade”. Para o promotor, uma necessidade que ficou clara foi a criação de uma Central de Vagas, projeto que vem sendo discutido com o Município. Ele afirma que, com essa Central, a perspectiva é de que os processos ocorram com maior rapidez. “Existe uma sensibilização de toda a rede de proteção à infância e à juventude, então eu acredito que esse projeto vai ser respondido”, diz.
Em relação ao sistema de justiça, Tonet informa que as Varas da Infância foram divididas por especialidades. A exemplo da 3ª Vara da Infância, que ficou responsável pelos processos de adoção. Ele informa, ainda, que no Ministério Público do Estado, foram criadas seis promotorias de tutelas coletivas, sendo duas em Fortaleza – a 6ª e a 7ª Promotoria da Infância e da Juventude.
“Existe uma sensibilização pela prioridade absoluta da criança e do adolescente. Nós entendemos que esse é o caminho para corrigir os problemas e tentar ajudar, dentro da sociedade e para a sociedade. Contudo, algumas melhoras realmente só vão ser sentidas com o decorrer do tempo”, justifica o promotor.
Um único programa para Capital não resolve
Para prestar assistência às crianças e adolescentes em situação de rua, não se pode pensar em um único programa para Fortaleza. É o que defende Tânia Gurgel, presidente da Coordenadoria da Criança e do Adolescente (Funci), ligada à Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SCDH). Na visão da gestora, essas pessoas precisam ser atendidas de acordo com a realidade em que vivem. “A situação da Barra do Ceará é completamente diferente da do Jangurussu”, exemplifica.
Em relação aos conselhos tutelares, ela informa que o Município está em um momento de reestruturar os já existentes e, só depois, vai iniciar uma discussão de ampliação. “Queremos deixar bem os seis que já existem”, frisa. Destes existentes, dois passaram por reestruturação: II e III. Os próximos a serem entregues serão o IV e o VI. As unidades contarão com uma sala para cada conselheiro, brinquedoteca, sala para reunião, arquivo.
Tânia confirma que o Conselho Tutelar IV, situado na Vila Betânia, vai para o Bairro de Fátima, mesmo com a discussão de que estaria fora da área de atuação. Ela assegura que não existe nenhuma decisão que seja tomada sozinha. “Quem escolheu o local do IV foi o próprio colegiado, dentro da região que aquele conselho atende”, afirma.
Mônica Gondim, coordenadora da Proteção Especial de Fortaleza da Secretaria Municipal de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Setra), informa que Fortaleza possui dois Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centros Pop) e um terceiro deverá ser criado no Mucuripe. E a perspectiva é que, até o fim da gestão, um quarto seja criado na região da Barra do Ceará. “Com esses quatro, a gente vai conseguir atender de forma satisfatória a população em situação de rua”, frisa.
Adultos
O problema é que os Centros Pop só atendem a população adulta. Voltada para crianças e adolescentes, não existe nenhuma unidade no Município. Em vez disso, a Prefeitura anunciou uma chamada pública na qual serão ofertadas novas 500 vagas para entidades da sociedade civil e Organizações Não-Governamentais (ONGs). “As entidades que se habilitarem para prestar o serviço serão acompanhadas pelo Município”. Mônica explica que existe toda uma legislação que rege os serviços sócio-assistenciais determinando, entre outros pontos, que o acolhimento deve funcionar com quartos com no máximo cinco pessoas.
Ela acrescenta que está no gabinete do prefeito Roberto Cláudio proposta de lei que visa constituir um comitê intersetorial. Ele estabelece as diretrizes para a lei municipal de inclusão da população em situação de rua que, conforme afirma, vai muito além da assistência social, envolvendo as áreas da saúde, educação, habitação e a Coordenadoria Especial sobre Drogas. “O intuito é respeitar os direitos da população em situação de rua”.
Como denunciar
Conselho tutelar I
Avenida Bezerra de Menezes, 480, bairro Otávio Bonfim. Contatos: 3281.4096/8970.5961
Obs: Os conselhos tutelares funcionam de 2ª a 6ª, das 8h às 17h.
Conselho Tutelar II
Rua da Paz, 302, bairro Mucuripe
Contatos: 3452.3462/8899.6677
Conselho Tutelar III
Rua Silveira Filho, 935, bairro São João XXIII. Contatos: 3131.1958/8890.9943
Conselho Tutelar IV
Rua Peru, 1957, bairro Vila Betânia.
Contatos: 3292.4955/8970.4905
Conselho Tutelar V
Avenida B, S/N, 1ª Etapa, bairro Conjunto Ceará. Contatos: 3452.2479/8970.5478
Conselho Tutelar VI
Rua Boaventura,
bairro Dias Macêdo. Contatos: 3295.5784/8970.5835
Funci – 3452.2351/3105.1316
Comdica – 3101.2696
7ª Promotoria da infância e da juventude
Contatos: 3452.4538/3452.4539
Dececa – 3101.2044
Disque 100
Disque direitos Humanos – 0800.285.0880
Luana Lima
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
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