Famílias relatam episódios em que foram forçadas a deixar suas casas em meio a conflito de facções rivais. Defensora pública avalia que falta articulação política para amparar vítimas com soluções rápidas de acesso à moradia e outros direitos.
Os episódios de pessoas expulsas da própria moradia após ameaças de facções criminosas têm se repetido nas periferias de Fortaleza. Além da ausência de dados oficiais sobre o problema, não há política pública para acompanhar as famílias depois das expulsões, aponta a defensora pública Mariana Lobo, supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado do Ceará.
Alvos comuns para os crimes são moradias em conjuntos habitacionais de programas como o Minha Casa Minha Vida, alcançando também moradias consideradas estratégicas para o controle dos territórios.
Dependendo do caso, a família precisará de apoio para encontrar nova moradia, nova escola para os filhos e novos locais onde procurar os serviços de saúde, por exemplo.
“É preciso uma política pública não só no aspecto da segurança pública. É uma política de assistência social, de habitação e moradia voltada pra essas famílias”, detalha a defensora.
Quando procuram a Defensoria, as famílias recebem orientações e acompanhamento jurídico para reparação dos danos sofridos após as expulsões. Conforme Mariana Lobo, o boletim de ocorrência é essencial para que a ação judicial seja iniciada.
Como as vítimas têm medo de denunciar, a defensora orienta que o boletim de ocorrência seja feito de maneira virtual ou em delegacia de outro bairro. Outra indicação é que a vítima informe que precisou se deslocar de casa por sofrer ameaças, sem precisar especificar os autores se sentirem medo de repressão.
“Essas famílias, para fazer um BO em um bairro ou na localidade em que elas estão, têm um receio, um medo. E é razoável porque elas estão em uma situação de extrema vulnerabilidade. Então a gente, muitas vezes, acompanha essa família na realização do BO e articula com a autoridade policial para que (o boletim) seja feito em outro bairro que não seja onde ela sofreu a violação”, explica Mariana.
Outro fator importante é o apoio para que as pessoas tenham onde morar. A atuação da Defensoria é solicitar ao município a inclusão das famílias nos programas habitacionais. Em alguns casos, o órgão entra com ações judiciais para que o direito à moradia seja garantido.
“Um caso emblemático é uma comunidade que a gente acompanha, que passou por esse processo de expulsão há mais de dois anos, e até hoje a gente aguarda a inclusão, por exemplo, dessas famílias no programa de aluguel social do município de Fortaleza”, exemplifica a defensora.
Quando as famílias são expulsas de conjuntos habitacionais, é necessário ainda o apoio para invalidar o contrato com órgãos financiadores, como a Caixa Econômica Federal. A articulação da defensoria busca também que as pessoas sejam contempladas com unidades em outro local mais seguro.
“Todas essas questões levam tempo. E a pessoa naquele momento está completamente desassistida. Ela não tem pra onde ir. E aí é por isso que a gente entende que deveria existir uma política pública de assistência e retaguarda imediata”, conclui Mariana Lobo.
Em nota, a Prefeitura de Fortaleza informa que a população interessada na política habitacional é atendida por meio de cadastro gratuito, permanente e autodeclaratório. E que o interessado em se cadastrar pode buscar uma das Centrais de Acolhimento das Regionais portando RG, CPF e Número de Identificação Social (NIS).
“Para o caso em questão das famílias expulsas de suas casas, embora seja esse um caso de segurança pública, a Prefeitura de Fortaleza oferece assistência por meio dos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua”, complementa a nota.
A resposta da Prefeitura à solicitação do g1 não trouxe informações sobre qual o diálogo existente ou em planejamento para formulação de política pública de acompanhamento das famílias nos episódios que acontecem em Fortaleza.
‘Saí sem bolsa, sem documento’
Não há dados divulgados para o tamanho do problema no Ceará. A partir dos boletins de ocorrência, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) tem o levantamento de ameaças de forma geral, sem o detalhamento para os casos em que as vítimas sofreram ameaças ou foram expulsas de casa.
Em episódios que se intensificaram no último mês, houve expulsões de famílias em comunidades como o Conjunto Palmeiras.
Em entrevista à TV Verdes Mares, uma mulher, que não teve a identidade revelada, relatou que saiu de casa apenas com roupas e documentos colocadas em malas velhas e sacos de lixo.
No episódio, ela recorda que havia cerca de oito criminosos apontando pistolas contra a cabeça dela e ordenando a saída imediata da casa.
Atualmente, a família mora em outro lugar por medo de continuar perto da comunidade de onde foi expulsa. O filho da vítima também afirmou ter pedido o contato com outros familiares.
“Minhas tias, meus parentes não podem ter contato com a gente, por conta que eles vasculham o telefone. Eles determinam que a pessoa mostre o telefone”, contou o homem.
Outra mulher que já morou na região conversou com o g1 e pediu para não ter a identidade divulgada. Ela foi expulsa da casa própria há alguns anos. E conta que as mesmas pessoas que haviam tomado a casa dela foram, neste último mês, expulsas por outro grupo rival.
Na época em que foi expulsa, as invasões na vizinhança teriam sido uma resposta à morte de um dos membros da facção que estava na comunidade. Ela chegou do trabalho e encontrou a casa ocupada por pessoas armadas que não a deixaram entrar.
“Tomaram meu celular, eu saí sem bolsa, sem documento. Imagina você sair da sua casa só com a roupa do corpo. Outras pessoas da minha casa estavam fora, graças a Deus. Eles poderiam ter matado alguém da minha família”, recorda.
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