Eleições 2024

Cassação de Carlomano: exemplo da morosidade

Interesses políticos, conflitos de leis e morosidade dificultam o entendimento da sociedade cearense

Deputados que integram a Mesa Diretora da Assembleia, reunidos na última sexta-feira, decidiram abrir um prazo de oito sessões para que o deputado Carlomano Marques apresente a sua defesa FOTO: VIVIANE PINHEIRO

É de muito difícil entendimento, para a quase totalidade dos cearenses, as divergências de entendimento sobre o cumprimento da decisão do Tribunal Regional Eleitoral – TRE, que cassou o diploma de deputado do peemedebista Carlomano Marques.

O conflito de leis, os interesses políticos e corporativistas e a demora para agir da Justiça Eleitoral consubstanciam um momento negativo para todos, sobretudo para a Justiça Eleitoral e o Legislativo estadual, os dois principais protagonistas.

O deputado Carlomano Marques, beneficiário de atos ilícitos praticados por sua irmã, médica e vereadora de Fortaleza, Magaly Marques, com a finalidade de ajudá-lo a eleger-se, no pleito de outubro de 2010, como constatado pela Justiça Eleitoral, não deveria estar exercendo o mandato ao longo dos dois últimos anos. Aliás, nem sequer deveria ter sido diplomado.

O mesmo Código Eleitoral, que manda cumprir, de imediato, a decisão do eleitoral, também determina prazos, a partir do seu Art.357, para apuração e julgamento do crime. Nenhum desses prazos foi respeitado.

Coerência

Inegável o interesse da Assembleia em postergar, ao máximo, o que lhe está sendo cobrado fazer. É o corporativismo. A decisão adotada pela direção do Legislativo estadual, na última sexta-feira, não guarda coerência com a realidade. O deputado não tem prova a fazer para julgamento dos seus colegas em relação ao caso.

Carlomano, só e tão somente, pode dizer a seus colegas que recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral- TSE, da decisão da Corte eleitoral estadual e aguarda uma decisão liminar de um dos ministros daquele colegiado.

Isso não dá sustentação ao Legislativo para sustar a cassação do seu mandato. E nem poderia. Assembleia e Justiça Eleitoral têm competências distintas. Suspender ou anular a decisão do TRE só o Tribunal Superior Eleitoral pode fazer.

Embora o Código Eleitoral diga, em seu Art. 276, que as decisões dos Tribunais Regionais, em alguns casos, não “são terminativas”, mesmo assim qualquer argumento apresentado por Carlomano não justifica uma decisão da Mesa Diretora da Assembleia em dizer não à declaração de vacância do seu cargo e a imediata convocação do suplente a ser efetivado na vaga. Suplente, aliás, que se a Justiça Eleitoral houvesse cumprido a sua parte, no tempo que o Código Eleitoral determina, não teria perdido dois anos de mandato.

Mesmo defendendo severidade para punições a políticos contraventores, em qualquer momento da sua atuação, a partir das campanhas eleitorais, passando pelos parlamentos ou palácios, onde ficam os executivos, temos que reclamar celeridade na apuração dos crimes e clareza na execução das penalidades.

A Justiça Eleitoral precisa responder com mais presteza. Do Ministério Público se reclama agilidade na apuração e denunciação dos crimes, bem como o acompanhamento das ações. Reconheça-se que magistrados, procuradores e promotores não integram os quadros da Justiça Eleitoral, posto ser a única das Justiças brasileiras que realmente é uma Justiça Emprestada, mas nem isso justifica a demora nos seus julgamentos.

EDISON SILVA
EDITOR DE POLÍTICA

Impasse entre Judiciário e Legislativo

O cientista político Hermano Ferreira diz que a demora para cumprir decisões se dá pela diferença de percepção entre Judiciário e Legislativo FOTO: MIGUEL PORTELA

Do resultado de uma decisão pela cassação de mandato político até o cumprimento efetivo da sentença, o caminho pode ser longo. Soma-se a esse cenário a falta de celeridade nos julgamentos e o desentendimento entre Legislativo e Judiciário. Hoje, pelo menos 34 recursos contra expedição de diploma de prefeito, vice-prefeito e vereador tramitam no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE) referentes às eleições de 2012, mas a assessoria jurídica do órgão reconhece que processos de outros pleitos ainda estão emperrados.

No que se refere à perda de mandatos, os poderes legislativo e judiciário por vezes se enfrentam. A Câmara dos Deputados vivencia conflito de interesses quando uma parcela considerável dos parlamentares reconhece como sendo direito daquela Casa determinar a perda de mandato. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou cassação de quatro deputados envolvidos no episódio conhecido como Mensalão.

No Ceará, a cena se repete, guardadas as devidas particularidades. A Corte do TRE votou, em dezembro de 2012, pela cassação do mandato do deputado estadual Carlomano Marques (PMDB). A decisão ainda não foi acatada pela Assembleia, embora o presidente José Albuquerque (PSB) tenha sinalizado que deve respeitar a decisão do TRE.

Na opinião do cientista político Hermano Ferreira, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE), essa demora no cumprimento das decisões se dá principalmente pela diferença de percepção entre os poderes Judiciário e Legislativo. “São duas lógicas diferentes. O Judiciário pensa que tem que ser imediato. O Legislativo analisa como fica o eleitor que elegeu aquele parlamentar”, opina.

Banalizado

Outra consideração de Hermano é no que se refere ao foro privilegiado. Para ele, a legislação tem banalizado esse recurso e ampliado além da conta esse direito. “Foro privilegiado é legítimo, mas para poucos casos. O foro privilegiado foi muito vulgarizado. Está tramitando até um projeto para que secretários municipais e vereadores também gozem desse direito. Não faz o menor sentido”, critica.

O jurista Valmir Pontes esclarece que, no caso do deputado Carlomano Marques, cabe à Mesa Diretora cumprir a decisão judicial, inclusive sob o risco de crime de responsabilidade. “As decisões da Justiça Eleitoral, quando determinam a cassação de mandatos eletivos, hão de ser rigorosamente cumpridas. Descabe aos órgãos legislativos proceder a novo julgamento”, diz.

O cientista político Francisco Moreira, professor da Universidade de Fortaleza, adverte que a falta de celeridade da justiça não se restringe ao cenário político. “É válido questionar essa atuação também para processos que vão se esquivando, têm bons recursos e podem utilizar todos os mecanismo para se livrar da Justiça. No caso dos políticos, eles têm uma visibilidade maior, e o caso é tornado público”, afirma.

Para o professor Hermano Ferreira, em algumas situações, o Legislativo se omite de tomar decisões, e estas acabam nas mãos do Judiciário. “Na ciência política, existe o fenômeno de judicialização das relações sociais. Se abre muito espaço para o poder legislativo, e ele se furta de tomar a decisão. As grandes questões quem discutiu foi o Supremo”, destaca.

Ética

Na avaliação de Valmir Pontes Filho, a Lei da Ficha Limpa tem sido um instrumento para reduzir a corrupção e o mau uso do mandato parlamentar no País. “A Lei da Ficha Limpa, excluídas algumas discussões quanto à sua inconstitucionalidade, tem sido muito eficaz. Mas o maior responsável pela rigidez moral e ética dos parlamentos é o eleitor”, afirma.

O cientista político Francisco Moreira acrescenta que os próprios partidos deveriam ser responsabilizados pelos seus candidatos, atuando como um primeiro filtro. “É preciso que o povo comece a tomar nas suas mãos essas decisões, não elegendo pessoas que tiverem uma mancha na sua história. E os partidos têm que ser a primeira instituição a fazer esse filtro. Não precisaria nem uma legislação para regulamentar isso”, pontua.

LORENA ALVES
REPÓRTER

Do Diário do Nordeste

Zeudir Queiroz