De acordo com órgãos de controle do Estado, a merenda e o transporte escolar lideram a lista de desvios de recursos
Pesquisa não-oficial realizada por analistas da Secretaria do Tesouro Nacional aponta desperdício de pelo menos 40% de recursos públicos direcionados à educação e aplicados no ensino fundamental nos municípios brasileiros. No Ceará, órgãos de fiscalização alegam que há alta incidência de desvios de verbas na rubrica destinada à educação, principalmente referentes à merenda e ao transporte escolar nas instituições públicas de ensino. As “empresas de fachada” são consideradas o principal impasse na gestão transparente do dinheiro público.
A presidente da Associação dos Prefeitos do Ceará, Adriana Barbosa, reconhece que as prefeituras sofrem intenso assédio das empresas de fachadas Foto: JL Rosa
O levantamento feito pelos técnicos do Tesouro, vinculado ao Ministério da Fazenda, aponta a má gestão de recursos do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e de outros programas. O estudo considera 4,9 mil municípios, que teriam destinado R$ 54 bilhões por ano ao ensino fundamental, entre 2007 e 2009. Desse valor, no mínimo R$ 21,9 bilhões podem ter sido desperdiçados por falhas na administração ou desvio de recursos.
O promotor de Justiça Eloilson Landim, da Procuradoria dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), pondera ser difícil mensurar o desvio desses recursos nas prefeituras cearenses, mas garante que um dos principais problemas a serem enfrentados é a situação do transporte escolar nessas localidades. Ele justifica que a qualidade dos veículos que transportam os alunos não condiz com o que consta nos contratos firmados com as prefeituras.
Na prática, afirma Eloilson, ocorrem as “subcontratações”, quando as empresas utilizam transportes bem inferiores aos que registram nas licitações e “terceirizam” o serviço por um valor mais barato. Dessa forma, ao invés de garantirem conforto aos estudantes dessas localidades, as empresas oferecem carros sem segurança, pois são menos onerosos e propiciam o desvio de parte dos recursos previstos nos contratos.
Inadequados
Ainda de acordo com o promotor de Justiça, muitas das empresas que concorrem no certame licitatório não prestam o serviço que alegam e são criadas e desmontadas conforme os mandatos políticos se encerram. “Essas empresas que participam permitem subcontratação de 100% dos veículos, totalmente inadequados ao transporte públicos, e as crianças ficam lá expostas aos riscos”, critica.
Além dos desvios cometidos na contratação do transporte escolar, a merenda dos alunos da rede pública também é alvo de irregularidades, denuncia Eloilson Landim. Conforme o promotor, o esquema entre as empresas e os prefeitos ocorre na distribuição das mercadorias. Mais uma vez, o que se constata nas licitações vai de encontro ao serviço prestado. Uma das estratégias adotadas, aponta o integrante da Procap, é a compra de produtos mais baratos do que o previsto e de marcas inferiores. “Outra questão é a validade, eles entregam um programa quase vencido, porque é mais barato. Isso é corriqueiro”, diz.
Para que haja um equilíbrio na execução orçamentária das gestões pública, a legislação fiscal estabelece tetos de investimentos em determinadas áreas, como a contratação de pessoal. Isso porque, com histórico de “empreguismo” no País, a intenção é evitar gastos desordenados na máquina pública em troca de favores políticos, priorizando investimentos em setores básicos como saúde e educação.
O promotor Eloilson Landim garante que o Ministério Público também já oficializou denúncias contra gestores cearenses relacionadas a supostas irregularidades no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Ele destaca que alguns prefeitos estariam ultrapassando o limite fixado para se gastar com pessoal, através da capacitação profissional.
Em resposta às operações do Ministério Público para desarticular fraudes de licitações e outras irregularidades nas prefeituras cearenses, em junho último, a Associação dos Prefeitos do Ceará divulgou nota pública questionando “excessos” dos órgãos de fiscalização. A presidente da entidade, Adriana Barbosa, reconhece os danos causados por empresas forjadas para ganhar as licitações, mas avalia que “muitas vezes há um exagero”, principalmente quando o prefeito tem oposição ferrenha.
Dificuldade
Adriana Barbosa também ressalta a dificuldade de monitoramento das instituições que são estruturadas para desviar recursos públicos. “Há esse assédio das empresas. Ao lançar uma licitação, aparecem diversas empresas de fachada. Muitas vezes, a gente até pede que o Ministério Público oriente e compareça para nos ajudar, porque é muito complicado”, explica.
O secretário de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU) no Ceará, Francisco Queiroz, diz que o órgão fiscaliza todos os programas do Governo Federal na área da educação. “Há toda uma problemática nessa área de educação que a fiscalização aponta. Deveria haver um compromisso maior”, alerta Queiroz.
Na avaliação do técnico do TCU, os recursos repassados aos municípios são suficientes para atender as principais demandas da população, apontando a deficiência da gerência dessas verbas. “É uma questão de gestão mesmo. Só a fiscalização e repressão não resolvem, porque a gente não alcança todos os municípios do Estado”. E completa: “Não dá para cobrir todas as cidades cearenses, o gestor acha que não vai ser pego”.
Ineficiência
Apesar de admitir a ineficiência de gestão nos recursos da educação, a professora Tânia Batista, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, acrescenta que há uma demanda de financiamento a ser resolvida no Brasil. Para a especialista, é preciso que os governos, nas esferas municipal, estadual e federal, estabeleçam uma inversão de prioridades nos investimentos públicos. “Falta a priorização dos gastos públicos por parte do Governo”, opina, ressaltando que a União deve investir na educação pública, e não no setor privado.
No tocante à administração dos recursos voltados à educação, a professora Tânia Batista diz acreditar que o desperdício de verba pública compromete o desenvolvimento de projetos nos municípios brasileiros. “A qualidade do ensino está diretamente relacionada com a boa aplicação dos recursos. Se isso não ocorre, vários projetos que poderiam ser implementados ficam a desejar. É importante o controle social de recursos do Fundeb”, pontua.
LORENA ALVES
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
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