Iguatu. O Ceará pode enfrentar, em 2016, o quinto ano seguido de estiagem. Esse é o cenário mais provável. O resultado poderá ser devastador com a perda das reservas hídricas, que estão se exaurindo, nos açudes. Um relatório da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) revela que o fenômeno meteorológico El Niño está na categoria intensa e a sua ocorrência afeta o clima em várias regiões do mundo. No Brasil, é associado a secas no Nordeste e chuvas intensas no Sul. A Funceme classifica a situação atual como “preocupante”.
A probabilidade atual é de 95% do El Niño permanecer ativo nos meses de fevereiro, março, abril e maio de 2016, período em que ocorre a quadra chuvosa no Estado. É uma taxa muito elevada. “Esse índice é do El Niño estar presente”, esclarece o meteorologista da Funceme, David Ferran. “A previsão com percentuais sobre a quadra chuvosa somente será divulgada em janeiro de 2016”.
Cada vez mais forte
Os dados mostram que, quando ocorre um El Niño forte, geralmente as chuvas no Semiárido nordestino ficam abaixo da média. Atualmente, as águas superficiais do Oceano Pacífico estão entre 2 e 3 graus centígrados acima da média. Dentre a classificação “fraco, médio e forte”, atualmente a anomalia climática está na categoria mais intensa. “Temos uma preocupação enorme porque o El Niño está cada vez mais forte”, frisou Ferran. O meteorologista evita previsões, mas é provável a chance de ocorrer uma nova seca no próximo ano no Ceará. O governo do Estado já foi informado sobre o relatório e a gravidade do cenário que se avizinha.
No fim de maio, a Funceme mostrou preocupação com a formação de El Niño (caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial), em 2016. Com base em estudos dos principais centros de previsão climática do mundo, naquela data havia a probabilidade de o El Niño permanecer em janeiro e fevereiro do próximo ano era de 80%. Agora é de 95%, com o agravante de o fenômeno ter sua presença ampliada até maio.
Na maioria dos anos em que há atuação do El Niño, o período de maiores precipitações no Ceará é irregular e tende a não atingir a categoria em torno da média climatológica. Ou seja, é seca. O Estado enfrenta o quarto ano seguido de chuvas abaixo da média e as reservas hídricas estão se exaurindo. A média dos 153 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) é de apenas 15,5%.
Reservatórios
Nos próximos meses, a perda de água vai se intensificar nos reservatórios por evaporação e por maior consumo em decorrência do aumento da temperatura nessa época do ano. No Ceará, 123 açudes estão com volume inferior a 30%. A situação é mais grave nas bacias do Baixo Jaguaribe (0,88%); Sertões de Crateús (1,96%); Curu (3,69%) e Banabuiú (4,05%). O melhor quadro é o da Bacia do Litoral (34,56%). O Alto Jaguaribe permanece em situação regular com 31,55%; Coreaú (28,42); e a Metropolitana, com 26,82%.
O governador do Ceará, Camilo Santana, em visita neste domingo à cidade de Canindé, onde participou do encerramento dos festejos religiosos de São Francisco das Chagas, reafirmou o esforço do Estado em “garantir água aos irmãos e irmãs cearenses”. Nos últimos meses, o governo ampliou o programa de perfuração de poços profundos em áreas urbanas e na zona rural e o fornecimento de água por caminhões-pipa.
Alternativas
As alternativas são limitadas a antigas receitas: carro-pipa e perfuração de poços. Além disso, restam ao sertanejo a esperança e as orações aos céus para que tenham piedade de tanto sofrimento que pode se intensificar. “Se não houver chuva suficiente para uma recarga dos açudes e dos poços, a situação será desesperadora”, prevê o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Sebastião Alves. “Como as pessoas vão encontrar água para beber e para os animais?”, indagou.
Nas regiões mais secas – Sertão dos Inhamuns, Crateús e Sertão Central – a escassez de água torna-se mais intensa a cada mês. A água distribuída por caminhões-pipas não é de boa qualidade. A principal alternativa para o abastecimento de cidades e vilas rurais é a perfuração de poços profundos, mas a geologia cearense, assentada em sua maioria em rochas cristalinas, dificulta o acesso à água em quantidade e qualidade. É salobra e apresenta vazão reduzida. O índice de poços secos chega a 30%.
O relatório da Funceme é baseado em análise do International Research Institute for Climate and Society (IRI), da Universidade de Columbia, em Nova York, nos Estados Unidos, que reúne estudos de cerca de 20 organismos internacionais sobre Clima e Meteorologia.
O El Niño, segundo previsão de centros meteorológicos dos Estados Unidos, deve ter o efeito mais devastador das duas últimas décadas, talvez mais grave do que o de 1997, o seu ano mais dramático. O fenômeno é comum e ocorre em intervalos que variam entre dois a sete anos. A anomalia climática provoca secas e tempestades em várias regiões da Terra. Foi batizado por pescadores do Peru e do Equador para lembrar o Menino (Niño) Jesus, em virtude de correntes marítimas quentes e inesperadas que despontavam próximo ao Natal.
O Norte do Brasil pode ficar ainda mais seco. O Sul pode sofrer com inundações (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina). O problema é que não há como fazer previsões absolutas, pois os modelos apontam para probabilidade. Entretanto, as estatísticas indicam que quando há ocorrência de El Niño intenso, como o que se verifica atualmente, deve perdurar por pelo menos seis meses, e, geralmente, as chuvas no Semiárido nordestino ficam abaixo da média.
Curiosamente, nos últimos quatro anos, período de registro de chuvas abaixo da média no sertão cearense, não houve registro de El Niño. A Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal sistema causador de chuvas no Estado, permaneceu afastada. “São várias interações e não sabemos os fatores que provocaram a distanciamento da Zona de Convergência e esse ciclo de seca, mesmo sem o El Niño”, explica David Ferran. “O El Niño está voltando neste ano e de forma intensa”. Segundo o meteorologista não se pode afirmar que o que vem ocorrendo está relacionado com mudanças climáticas, mas um período de cinco, seis anos seguidos de seca não se tem registro.
Fonte: Diário do Nordeste
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