Numa sacolinha plástica, Isaíra Anastácio guarda os cabelos do filho. Ele só está em seus braços, ela garante, por obra de são Francisco. Daí sua decisão de batizá-lo –Francisco Ian– e levar ao santo as mechas do menino.
“Ele engasgou quando tinha 28 dias de nascido. Pelejei de todo jeito e ele não desengasgava. Então me vali de são Francisco”, diz a agricultora de 34 anos, ao lado da basílica de Canindé (CE), cidade que abriga a maior peregrinação das Américas para o santo em que o papa se inspirou para escolher seu nome.
Francisco Ian, 2, engrossará um grupo grande na cidade, que poderia ser chamada de “terra de Franciscos”, dada a predileção pelo nome.
A devoção aparece nos números. Segundo levantamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), enquanto os Franciscos e Franciscas são 2,8% do eleitorado brasileiro, no sertão de Canindé a porcentagem salta para 21%.
Se a régua for o cadastro nacional único de dezembro de 2011, usado para o Bolsa Família (cerca de 40% da população brasileira), 30,7% dos homens inscritos em Canindé se chamam Francisco, recorde entre as cidades do país.
O nome do santo também está em lojas e escolas desde a fundação da cidade cearense, no século 18. É dessa época o relato de um dos pedreiros que construía a primeira igreja para são Francisco. Ele contou que, quando estava prestes a morrer por cair do alto da obra, chamou pelo santo e acabou salvo.
Segundo a tradição, foi essa a história que se espalhou pela região e fez surgir a peregrinação, que hoje leva milhares à estatua de são Francisco. Inaugurada em 2005, ela mede cerca de 30 m, praticamente o mesmo que o Cristo Redentor, no Rio (descontado o pedestal, de 8 m).
Romeiros à pé, de pau de arara, carros e ônibus chegam à cidade levando lembranças da graça alcançada pelo santo. Braços, pernas, sexos e cabeças confeccionados em madeira, miniaturas de carros, caminhões e ônibus, camisetas de times e mechas de cabelo, como as de Francisco Ian, vão para a “Casa dos Milagres”.
TORCIDA
É esse depositário de lembranças que Isaíra acha que o papa deveria conhecer: “Ele deveria visitar o santuário, já que se chama Francisco”.
Moradores da cidade, visitantes, chefes religiosos e políticos sonham que Canindé ganhe um minuto da atenção do papa em sua visita ao Rio.
Vários Franciscos participam do esforço de tentar informar o papa sobre a romaria que atrai mais de meio milhão de pessoas à cidade entre setembro e outubro –a maioria deles, muito pobres.
Um dos envolvidos na campanha é o secretário de Cultura da Canindé, Francisco Jander da Silva, 30, que acredita que uma referência do papa ajudaria a tornar a cidade conhecida nacionalmente. “Nossa romaria ainda não é um fenômeno nacional. Vem mais gente do Rio Grande do Norte, do Piauí”, diz.
Coincidência ou não, os números mostram que nesses Estados a média de Franciscos inscritos no Bolsa Família supera de longe a média nacional. No Ceará, são 17,5%; no Piauí, 11,5%; no Rio Grande do Norte, 10%. Já a média no Brasil é de 3,8%.
Ao lado de Francisco Jander, o prefeito Francisco Celso Crisóstomo (PT), que é da ordem secular dos franciscanos, diz estar empolgado com a possibilidade de o papa colocar Canindé em evidência.
Segundo o político, Canindé fará parte do estande do Ceará no “FÉstival”, a feira de turismo religioso que ocorrerá no Rio durante a Jornada Mundial da Juventude.
As maiores esperanças, no entanto, estão depositadas em Francisco Danilo Abreu, 26, um dos dez jovens de Canindé que vão à Jornada no Rio.
“A gente soube que o papa quer ter um encontro com os jovens que os frades franciscanos estão levando”, diz. “Então existe a possibilidade de ficar mais perto dele.”
Se tiver a chance, Francisco Danilo promete convidá-lo para visitar a cidade e “mostrar que são Francisco não está só na Itália, mas aqui no Brasil e aqui em Canindé”.
Para o vigário da cidade, João Amilton, a simples escolha do nome pelo papa já ajuda o santuário. Com nada menos que 15 irmãos chamados Francisco ou Francisca, ele aposta que o papa popularizará ainda mais o santo e o nome dele nas pias de batismo.
“Os romeiros têm uma devoção fortíssima. Agora que o papa escolheu o nome Francisco, eles podem dizer: ‘Está vendo? São Francisco tem poder! Ele é um grande intercessor diante de Deus!’.”
O padre diz que, nas missas, sempre menciona o papa Francisco “com a boca cheia” e “o coração repleto de felicidade”. “Com certeza, ele virá em outra [viagem]. É um papa jovem”, afirma.
Fonte: Folha de São Paulo
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