Iguatu. A seca faz parte do Semiárido nordestino. É um fenômeno natural que persiste a cada década com intensidade e duração variáveis. Dados da Fundação Cearense de Meteorologia e de Recursos Hídricos (Funceme) revelam que, no período de janeiro de 1973 a maio de 2015, o Ceará enfrentou oito períodos de seca meteorológica, dos quais quatro foram mais severos e duradouros. O mais crítico de todos é o atual, que começou em abril de 2012, e permanece até agora, sob a classificação de “seca excepcional”, a categoria mais intensa.
O estudo é do professor Adilson Gandu, da Universidade de São Paulo (USP), que faz pesquisa nos últimos meses na Funceme. Os dados serão mostrados durante o Simpósio Internacional de Climatologia, que começou ontem, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e prossegue até o próximo dia 16. O evento tem como tema central “Vulnerabilidades Climáticas: o Brasil no século XXI”.
O professor Gandu explica que a seca é um fenômeno natural de grande impacto social, econômico e ambiental, podendo ocorrer em diversas escalas temporais. O trabalho elaborado por ele tem por base o Índice de Precipitação Padrão (SPI), um dos mais utilizados pelos institutos meteorológicos.
A série histórica levantada pelo professor Gandu é com base nos dados colhidos em postos de observação meteorológica no Ceará a partir da implantação da Funceme. O levantamento em escala temporal utiliza também como parâmetro o volume total de água armazenada nos reservatórios monitorados como indicador de recursos hídricos do Estado do Ceará.
O atual período de seca é o mais crítico, desde janeiro de 1973. Já são 36 meses de ocorrência de chuvas abaixo da média no Ceará. O cenário ainda pode ser mais grave, caso ocorra extensão ao longo de 2016, conforme previsões mais recentes, tendo como base a influência do El Niño, que está intenso. A seca atual está classificada como “excepcional”, na categoria S 4, a mais severa.
Reserva crítica
O quadro atual ainda é mais preocupante porque a maioria dos reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) está seca, as reservas de água, se exaurindo e o Estado caminhando para um quadro de colapso no ano de 2016 em dezenas de municípios do Interior. Mais de 80% dos açudes no Ceará estão com volume abaixo de 30%. A média acumulada no Estado é de apenas 15%.
O levantamento do professor Gandu revela que o segundo período mais crítico ocorreu entre maio de 1992 e novembro de 1994 (31 meses), alcançando também a categoria S4, “seca excepcional”. O terceiro episódio mais crítico verificou-se entre maio de 1980 e dezembro de 1984 (56 meses), atingindo a categoria S3 “seca extrema”.
Entre março de 1998 e março de 2000, um período de 25 meses, ocorreu o quarto evento de seca, também, na categoria S3. “Os resultados também mostram a associação dos períodos de seca meteorológica (déficit de chuva) com os de seca hídrica (déficit no volume dos reservatórios)”, segundo apresentação do trabalho de pesquisa.
Impactos
“A seca tem impacto na agricultura, nos recursos hídricos, no meio ambiente e está relacionada com fome e mortes no sertão”, observa o agrônomo João Nicédio Nogueira, autor do levantamento de pluviometria com uma série histórica de 100 anos a partir de dados coletados no sítio Baú, zona rural de Iguatu. “No passado, havia invasões nas cidades, fuga de agricultores, doenças e muita fome”, frisou Nicédio.
A estiagem provoca êxodo rural, deixa o campo esvaziado, empobrecido, e os sertanejos são forçados a migrar para os grandes centros urbanos, estabelecendo-se na periferia das cidades. Historicamente, há relatos de secas intensas no sertão nos séculos XIX e XX, com eventos significativos em 1877-1879; 1915, 1932, 1970, 1980 a 1983; 1993-1994; 1998-1999 e a atual que o Ceará enfrenta.
O historiador Marco Antonio Villa, em “Vida e morte no sertão”, apresenta relatos das secas no Nordeste nos séculos XIX e XX. Os períodos de estiagem deixaram um saldo de milhões de sertanejos mortos. Villa traz relatos e dados desde 1825 até 1983, revelando um quadro assustador e preocupante. “As milhares de mortes, o modo como a questão foi encarada, as soluções propostas mostram o modo irresponsável como a questão foi tratada por sucessivos governantes”, frisou o historiador. Ele também critica setores da sociedade brasileira que não têm conhecimento claro sobre a gravidade do problema.
Mudanças
Apesar de ser um dos eventos mais graves que o Ceará enfrenta não há registro de invasões e saques ao comércio e aos depósitos de merenda no atual ciclo de estiagem. “A ampliação de aposentadorias rurais e dos programas sociais de transferência de renda contribuíram para manter uma renda mínima no campo, mesmo em longos períodos sem produção agrícola”, observa o diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iguatu, Evanilson Saraiva. “As dificuldades são enormes, mas não se pode falar em fome como a intensidade que se via até os anos de 1990”.
O meteorologista da Funceme, Raul Fritz, observa que os períodos de estiagem têm classificação variável com a interferência de fatores diversos. Outro aspecto climatológico a ser considerado é a ocorrência de chuvas com intensidade diversa no tempo e no espaço. “Em um mesmo município, durante a quadra chuvosa, pode ser verificada pluviometria variada, acima e abaixo da média, em áreas diversas”, explicou. “Os dados que levantamos são com base na média do Estado”. Esse mesmo aspecto ocorre com relação à produção ou frustração de safra. É possível que mesmo em um período de seca alguma região seja considerada na categoria “normal”, enquanto que em outras ficam abaixo da média.
Mais informações:
Fundação Cearense de Meteorologia
Funceme
Fone: (85) 3101-1117
Cogerh
Fone: (85) 3218-7024
Fonte: Diário do Nordeste
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