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Bolsa Família já supera FPM em sete municípios do Ceará

A incapacidade de gerar arrecadação coloca as prefeituras cada vez mais subordinadas aos repasses da União

Responsável pela entrada de quase R$ 3 bilhões no Ceará do início de 2012 até hoje, o Bolsa Família se tornou uma das principais fontes de transferência aos municípios. Neste ano, em pelo menos sete cidades cearenses, o montante do programa, que acaba de completar dez anos de implantação, supera a cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de sustentação das prefeituras, e o repasse de ICMS, imposto estadual. O cenário expõe a total dependência dessas cidades ao Governo Federal e a inabilidade em gerar receitas para a sobrevivência longe da União.

O economista Carlos Eduardo Marino diz que a má distribuição dos recursos no País é um dos entraves à autonomia dos municípios Foto: Thiago Gaspar

Em 2013, o Ceará foi o quarto Estado que mais recebeu recursos relacionados ao benefício, um total de R$ 1,3 bilhão. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo do último dia 26 de outubro, 457 cidades brasileiras já receberam mais verba do Bolsa Família do que da cota do FPM em 2013. No Ceará, estão nessa situação Acaraú, Guaraciaba do Norte, Icó, Ipu, Itapipoca, Tianguá e Viçosa do Ceará, conforme levantamento feito pelo Diário do Nordeste no Portal da Transparência do Governo Federal.

Diferenças básicas separam a aplicação desses recursos: o Fundo de Participação dos Municípios integra a receita das prefeituras e, até ser convertido em serviço ao cidadão, enfrenta todos os trâmites burocráticos da administração pública, enquanto o Bolsa Família é depositado diretamente na conta dos beneficiários, gerando renda imediata à transferência.

Outras receitas dos municípios, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), imposto que é repassada pelos estados às prefeituras, são facilmente superadas pelo valor do Bolsa Família. Em Tianguá, conforme o site do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM), a arrecadação de ICMS soma R$ 6,6 milhões em 2013. Por sua vez, a cidade já recebeu, no mesmo período, mais de R$ 14,2 milhões do Bolsa Família, transferidos a mais de 12 mil pessoas, e apenas R$ 13,7 milhões do FPM.

Em Acaraú, o FPM responde por R$ 12,6 milhões da receita do município neste ano, montante inferior aos R$ 13,3 milhões que a União repassou para o programa Bolsa Família na cidade, beneficiando aproximadamente 11.500 habitantes. No mesmo período, o ICMS representa R$ 4,5 milhões da verba que entrou no município.

Discrepância

Na cidade de Guaraciaba do Norte, os 7.700 beneficiários do Bolsa Família receberam, juntos, R$ 11,5 milhões em 2013. Já a Prefeitura Municipal teve acesso a R$ 10,3 milhões do Fundo de Participação. Icó também figura no rol de destaque do programa. Em 2013, já são R$ 15,2 milhões injetados no Bolsa Família, maior do que os R$ 13,7 milhões do FPM.

Ainda de acordo com informações do Governo Federal, os gastos do Bolsa Família em Ipu já ultrapassam em R$ 164 mil a cota do FPM. Em Itapipoca, a discrepância é maior. O valor do Bolsa Família, que contempla 19 mil pessoas, é quase R$ 5 milhões maior do que o Fundo de Participação dos Municípios em 2013. Em Viçosa do Ceará, essa diferença é de R$ 2 milhões.

O professor Carlos Manso, do Laboratório de Estudos da Pobreza da Universidade Federal do Ceará, afirma que o Bolsa Família é um programa transitório e não pode ser encarado como um substitutivo de políticas sociais. Ele aponta que, para aumentar a qualidade de vida da população, o poder público deve investir em ações estruturantes, nas áreas como saúde e educação.

“Elas não têm como bancar sua saúde, educação e aspectos que podem prepará-las para a competição do mercado. Isso depende do poder público. Se elas tiverem sem a qualidade de serviço público, não podemos pensar numa redução da pobreza. Essas cidades dependem dessas transferências. Isso é preocupante, porque essas transferências devem ser transitórias”, explica o especialista.

Carlos Manso acrescenta que as prefeituras devem dinamizar a administração pública e buscar parcerias com universidades, Governo Federal, empresas privadas e organizações não governamentais com o intuito de potencializar o uso dos recursos. “A administração não pode ser hermética, fechada. Deve-se estimular a cultura empreendedora, o emprego está se modificando muito”, pondera o economista.

Alternativas

Conforme o pesquisador, as cidades devem pensar alternativas para o desenvolvimento regional sem a dependência direta da União. “Uma preocupação que se tem muito grande é com o modelo de gestão das cidades e com esse modelo de gestão que deveria incluir formas de usar as potencialidades regionais para que haja atração de negócios para além das reduções fiscais, porque isso não é um modelo sustentável”, esclarece.

Para o doutor em Economia Carlos Eduardo Marino, que também integra o Laboratório de Estudos da Pobreza da UFC, dois problemas centrais geram dependência nas prefeituras: insuficiência e má distribuição de recursos. “Muitos municípios recebem valor per capita bem superior a outros. Não há uma racionalidade nisso”, alerta.

Carlos Eduardo Marino alerta que, além dos entraves no Pacto Federativo, que diz respeito à partilha de recursos, a precária arrecadação das prefeituras amplifica o cenário de dependência desses municípios. “Além da má distribuição, tem um hábito que é não cobrar imposto, negligenciar os impostos locais”, pontua.

Criação de cidades pode aumentar a dependência

Se hoje a dependência das prefeituras é grande em relação ao Governo Federal, a expectativa é que a criação de novas cidades piore o cenário. Isso porque a emancipação de distritos não aumentará o valor do Fundo de Participação dos Municípios. O que muda é o rateio da verba.

O Senado aprovou em outubro projeto que fixa diretrizes para a criação de municípios. No Ceará, 30 distritos haviam recebido autorização da Assembleia Legislativa para realizar plebiscito sobre a emancipação. Com as regras federais, mais rígidas do que a lei estadual, especula-se que esse número caia para 20.

Para o economista Andrei Simonassi, professor da UFC, a criação de novas cidades no Estado deverá elevar a dependência de programas de assistência social. “Em relação ao repasse do Bolsa Família, só iria aumentar. Não me surpreende que os repasses sejam maiores no Nordeste. A criação vai reduzir a cota do FPM para os municípios que perderem distritos”, diz.

O professor ressalta que a maioria dos municípios não tem condições de sobreviver com receita própria. “Se fossem viver de arrecadação, sequer pagavam os vereadores. Nos município com autonomia, se o distrito se emancipa, prejudica o município-mãe. As pessoas falam que uma nova administração consegue identificar melhor as carências, mas eu não acho que justifica o custo financeiro”, analisa.

Simonassi defende o acompanhamento dos investimentos sociais para monitorar se as prefeituras estão conseguindo ofertar à sociedade políticas duradouras que complementem os programas transitórios. “A grande vantagem do Bolsa Família é a retirada de pessoas de extrema pobreza. O mérito é manter os filhos na escola, mas o resultado é a longo e médio prazo”, diz.

Saiba mais

Receitas

O FPM é composto por arrecadações do IPI, 85% do total, e do Imposto de Renda, 15% da verba. A porcentagem da arrecadação desses impostos no País que segue para o FPM é de 22,5% do total

Dependentes da União, os municípios têm suas receitas prejudicadas quando o Governo Federal anuncia medidas para desonerar os impostos, como ocorreu com a redução do IPI

Criação de municípios

O Senado aprovou em outubro deste ano um projeto de lei que regulamenta a criação de municípios no País. Visando redutos eleitorais, muitos parlamentares aprovam a emancipação de distritos, mas a proposta gera divergências entre economistas, que apontam a geração de despesas nessas cidades.

LORENA ALVES
REPÓRTER

Diário do Nordeste

Zeudir Queiroz