Moradores da zona rural estão revoltados, pois temem não mais resgatar os restos mortais de familiares
Iracema A antiga comunidade de São José dos Famas, desapropriada para a construção da Barragem do Figueiredo, neste município, teve seu cemitério inundado com a chuva das últimas semanas. O processo de transferência dos restos mortais para o novo cemitério ainda não foi iniciado pelo Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), responsável pelo reassentamento da população. Moradores estão revoltados e temem não ser possível realizar o resgate. De acordo com a Superintendência do Idace, haverá uma vistoria na próxima semana para avaliar a situação.
Na comunidade de São José dos Famas, as famílias apontam a omissão dos órgãos responsáveis pelo processo. A barragem recebeu as primeiras águas que invadiu o campo-santo FOTO: JANUÁRIO LIMA
“Imagine você ter seu pai e sua mãe enterrados em um cemitério e de repente a água cobrir tudo. Como você se sentiria?”. Esse foi o questionamento em forma de desabafo e revolta, da aposentada Maria do Socorro Souza, 62 anos, quando soube que o cemitério da velha comunidade de São José dos Famas, desapropriada para dar lugar ao Açude Figueiredo, estava coberto de água. Ela acusa falta de interesse dos responsáveis, já que, segundo ela, o novo cemitério foi concluído primeiro do que as novas residências.
Ela conta que várias pessoas da comunidade estão indignadas e que ninguém se pronunciou a respeito. “Está todo mundo revoltado aqui! Eles não fizeram porque não quiseram e, agora, ninguém aqui sabe como vai ser porque ninguém fala nada. O cemitério já está cheio d´água e ninguém sabe como vai ser”, desabafa Socorro.
Quem mora na sede do município se solidariza e se indigna com a situação vivida pelos moradores. A vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Iracema, Anofia Oliveira, conta que a entidade tem acompanhado esse problema. “Nós estamos acompanhando essa situação. Semana passada, a Justiça passou um alvará pro Idace há uns 15 dias, autorizando a retirada. A comunidade está sofrendo com toda essa mudança, já que os restos mortais dos familiares não foram retirados e estão todos debaixo d´água agora”, lamenta Anofia.
A barragem atinge as comunidades de Lapa, em Potiretama; distrito de São José dos Famas, Assentamento Boa Esperança e localidade de Água Nova, em Iracema; e uma pequena parte do município de Alto Santo. No total, 120 famílias tiveram que ser reassentadas pelo Dnocs para a construção do reservatório.
Dificuldade
O açude, que possui capacidade de 520 milhões de m³, já acumula 10 milhões de m³ em decorrência da chuva que chegou à região na última semana. O volume está na cota do “porão”, segundo afirmou o engenheiro e integrante da Comissão de Fiscalização das obras, Augusto Guerra. De acordo com ele, se a chuva permanecer durante as próximas semanas, haverá muita dificuldade na retirada dos restos mortais de familiares dos moradores da comunidade.
Segundo Guerra, houve “acomodação” para a realização desse processo. “O Dnocs firmou convênio com o Idace onde eles ficariam responsáveis pelo reassentamento da população, incluindo essa transferência dos restos mortais do antigo para o novo cemitério. As casas foram concluídas, as famílias foram reassentadas e faltou justamente essa questão do cemitério. Os recursos já foram 95% transferidos para o Idace e nós estamos cobrando ações imediatas para resolver essa questão”, explica.
De acordo com o superintendente do Idace, Ricardo Durval, só é possível mexer no cemitério depois que for expedida autorização do Juiz da Comarca Iracema, caso contrário seria crime de violação de sepultura. “O Juiz deu o alvará judicial há 15 dias e pediu notificássemos algumas autoridades. Além disso, precisamos de uma logística que já negociamos com duas empresas que estão trabalhando no Figueiredo. Diante da demora das empreiteiras em preparar os equipamentos adequados para o trabalho, não pudemos realizar a atividade ainda”, explica Durval.
Ele conta também que dois funcionários do Dnocs estão à disposição para ajudar no trabalho e que todo o processo tem que ser acompanhado pelas famílias. Na próxima semana o superintendente fará uma visita ao local para avaliar a situação e ver o que poderá ser feito. “Só depois de quarta-feira é que vou poder me posicionar sobre o que será feito diante disso”, concluiu Durval.
Depois de muitos conflitos judiciais envolvendo as obras da Barragem do Figueiredo, a obra foi entregue somente no dia 10 de janeiro passado.
O açude abastecerá toda a região do Baixo Jaguaribe, principalmente os municípios de Iracema, Alto Santo, Potiretama, Ererê e Pereiro.
Além do abastecimento humano, o reservatório terá a função de controlar a cheia na região e incentivar a aquicultura e agricultura irrigada do Baixo e Médio Jaguaribe.
Chuvas prejudicam áreas de risco
Limoeiro do Norte A chuva que caiu nas últimas semanas no Vale do Jaguaribe fez surgir antigos e novos problemas. Localidades deste município enfrentam o acúmulo de água em diversas ruas e com isso o difícil deslocamento para outras comunidades. Outra problemática causada pela chuva é a CE-265 que liga os município de Limoeiro do Norte e Tabuleiro do Norte. Em épocas de chuva, o trecho que compreende a passagem molhada fica quase intransitável.
Moradores do Conjunto Habitacional Estrada de Flores tiveram o acesso à comunidade barrado pela água que caiu no último fim de semana. A chuva de 105.3mm na última semana alagou o principal acesso do conjunto. As casas foram construídas no terreno da antiga Lagoa da Velha Rosa, onde não houve projeto de saneamento básico para o escoamento da água. No conjunto, residem 488 famílias.
Há apenas cinco meses da nova moradia, os populares já enfrentam problemas com ruas alagadas e a água ameaçando entrar em algumas casas. De acordo com uma moradora que preferiu não ser identificada, a Prefeitura já foi procurada para ajudar a resolver o problema.
“Desde que teve a chuva, ficou desse jeito. Várias pessoas já atolaram tentando sair. Nessa semana, uma mulher caiu de moto. Se chover como naquele dia, não sei como vai ser não”, conta a moradora.
Para improvisar, os populares fizeram um acesso à comunidade passando pelo terreno onde esta sendo construída a Escola de Educação Profissional. Como a obra esta parada por conta da chuva, os moradores retiraram parte da cerca e colocaram entulho e madeira, improvisando a nova passagem. Em algumas ruas, há muita água acumulada ameaçando invadir as casas. Os moradores usam areia para tentar conter o alagamento.
O problema não está somente em algumas localidades próxima ao Centro da cidade, na comunidade de São Raimundo, zona rural do município, há trechos onde a água esta “na altura da canela”, segundo o morador Renato Moraes.
“A água que fica acumulada aqui pelo Centro acaba indo pra comunidade, porque é o caminho para a escola. A situação está muito feia, tem local que, para a moto passar, a água fica mais ou menos na altura da canela”, diz o morador.
De acordo com o secretário de Infraestrutura do município, Lauro Rebouças Filho, o problema só será resolvido com a execução de um projeto de drenagem.
“Infelizmente, o conjunto habitacional não foi construído em uma área adequada. Primeiramente foi construído no terreno de uma antiga lagoa e não houve projeto de drenagem da água. Então, toda vez que chover muito, a água vai ficar acumulada”, afirma o Secretário.
De acordo com ele, o que a Prefeitura pode fazer no momento é improvisar os acessos da população às áreas afetadas.
Laurinho, como é conhecido o secretário, também conta que outros bairros passam pelo mesmo problema. “O bairro Bom Nove também enfrenta essa problema, algumas ruas do centro da cidade, e as comunidades rurais mais próximas acabam sendo afetadas. Se houver a drenagem da água, resolve todo o problema”, enfatiza.
O secretário afirma que já houve reunião com o prefeito Paulo Duarte e está sendo contratada uma equipe para fazer o projeto de drenagem, começando primeiramente pelos locais mais críticos. A água terá como destino o Rio Jaguaribe.
“Após a conclusão do projeto vamos à busca dos recursos. Não é uma obra muito complexa, mas precisamos de apoio. No mais tardar em julho ou agosto, que é o período do verão, o projeto estará sendo executado”, conclui o secretário municipal.
Outra área que sofre com as chuvas é o trecho da CE-265 que interliga os municípios de Limoeiro do Norte e Tabuleiro do Norte. Os buracos e a piçarra, que é constituído parte do trecho, ficam praticamente intransitável para alguns motoristas na época do inverno.
Recuperação
No último fim de semana, um ônibus que faz a linha entre estes dois municípios atolou. De acordo com o funcionário da empresa CBC, que presta serviço para o Departamento de Estradas e Rodovias (DER), Francisco Cândido, a empresa foi acionada para realizar reparos no local. A obra teve início na manhã da última quarta-feira.
Também na manhã de quarta-feira, a Companhia (Cogerh), realizava o trabalho de retirada das comportas da passagem molhada de Tabuleiro do Norte, para que a água seguisse seu curso com mais facilidade. O trecho é sempre problemático neste período. “Quando aumenta o fluxo de água no trecho, nós retiramos as comportas para aumentar o sistema. Quando tem pouca água, ela é barrada para atender a outros rios da região”, explica o técnico da Cogerh, Valvenargue Guimarães.
Mais informações
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs)
(85) 3223.2552; Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), (85) 3101.2473
ELLEN FREITAS
COLABORADORA
Do Diário do Nordeste
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