Foram construídos 45 açudes desse tipo em municípios como Canindé, Madalena e Quixeramobim
Canindé Ceará, uma terra de contrastes. Em muitas localidades, as famílias sofrem para conseguir água para beber, lavar, cozinhar e tomar banho. Na sede do Município, os 45 mil habitantes vivem uma das maiores crises hídricas da história. Os três açudes da Cidade – Sousa, São Matheus e Escuridão – estão secos. A população aguarda pela tão sonhada adutora de General Sampaio. Já em Barra do Bento, no Sertão de Canindé, a situação é muito diferente: sobra água.
Um açude com capacidade de dois milhões de metros cúbicos construído no Sertão de Canindé sangrou dois anos seguidos: 2013 e 2014, na seca mais dura dos últimos 60 anos.
De acordo com a presidente da Associação dos Moradores de Barra do Bento, Raimunda de Sousa, o carro-pipa foi abolido por algum tempo. “Temos água de qualidade e, o que é mais importante, tratada, porque nosso sistema de abastecimento garante água nas torneiras de 30 famílias”.
A comunidade de Barra do Bento, que fica a 25 km da sede de Canindé, tem garantido o abastecimento com água para o consumo humano e animal graças a um açude construído em 2009, pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce).
O presidente da entidade, engenheiro agrônomo José Maria Pimenta Lima, conta que a solicitação partiu da Associação Comunitária de Barra do Bento. “Quando recebemos a demanda, tratamos logo de visitar a comunidade e, ao chegarmos lá, percebemos, que era muito grande a dificuldade para as 30 famílias viverem numa localidade sem água. Autorizamos a execução da obra, no valor de R$ 70.000, com recursos do Estado. Estamos muito satisfeitos com o resultado obtido, pois, com a seca de 2012, o açude não secou e está garantindo água para toda a região”, comemora Pimenta.
No ano seguinte, 2013, com recursos do Projeto São José, foi implantado o Sistema de Abastecimento de Água para a Comunidade de Barra do Bento, atendendo às 30 famílias, ao custo de R$ 81.470,93. O projeto contou com o acompanhamento do engenheiro agrônomo José Cleiton Nogueira, que atuou também na orientação e execução dos serviços.
“O fornecimento de água encanada nas comunidades tornou-se um grande benefício, pois, com água na torneira dentro de casa, evitou-se o deslocamento até o açude, muitas vezes carregando uma lata na cabeça, ou se valendo do jumento-pipa”, destacou José Maria Pimenta.
Parceria
Outro passo importante foi o tratamento da água que está sendo ofertada pelo sistema que funciona em parceria da comunidade com o órgão executor. Enquanto isso, a Ematerce por meio da Gerencia Regional de Canindé, implantou projetos produtivos com duas mandalas, usando também a água do açude. Agora, o casal José Martins Ribeiro e Maria de Fátima Sousa Ribeiro está lavando roupa em casa com toda a comodidade, o que antes era muito trabalhoso, por ter de levar toda a roupa e utensílios para as margens do açude.
Quem também comemora é o pequeno produtor Raimundo Rodrigues, que aproveitou a água para cultivar uma pequena horta no quintal da casa. Tem cheiro verde para o tempero da panela, entre outros produtos hortifrutigranjeiros.
O “Açude Inteligente”, uma política pública em execução no Ceará idealizada pela Ematerce, vem chamando a atenção de muitos segmentos ligados à convivência com o Semiárido não só no Brasil como em países da América Latina. Uma comitiva de 12 pessoas da Bolívia já esteve no município de Piquet Carneiro, no Sertão Central, para conhecer o projeto desenvolvido pela Ematerce. “O açude inteligente é aquele que construímos nos boqueirões, aproveitando a topografia do Ceará, bem generosa. Assim, o açude enche rápido e seca devagar, possibilitando que a água esteja disponível para as comunidades nos períodos de maior escassez”, explicou José Maria Pimenta.
Ele explica a localização dos açudes assim: “é onde o sol acorda tarde e dorme cedo”. Pimenta revela dados interessantes registrados na maneira de medir chuvas no Ceará.
Pimenta descreve o regime de chuvas no Ceará para explicar a tecnologia. “Pelo que consta, quem primeiro começou a medir chuvas no mundo foram os russos, há mais de 140 anos. Mas, há no Ceará uma informação preciosa: somos o Estado que tem registrada a maior série histórica de precipitações pluviométrica do Nordeste. As primeiras medições vêm do antigo Observatório Meteorológico de Quixeramobim, inaugurado em 1896. De lá para cá, são 119 anos de informações sobre chuvas, sendo as mais importantes justamente a divisão tripartite entre invernos chuvosos (1939), invernos na média (1939) e anos secos (1940)”.
De acordo com critérios da Funceme, quando se registra até 594 mm, o ano é considerado seco. De 594,1 até 826 mm, o inverno está na média. Acima deste patamar, a temporada é considerada chuvosa para a região do Sertão Central. Outro dado importante é que, nestes 119 anos de registros, apenas em quatro anos tivemos chuvas abaixo de 300 mm. Precisamente nos anos de 1915, 1919, 1983 e 1993.
“Diante destes números, qual a melhor intervenção para se conviver com a seca? Ouso dizer que é a construção de açudes inteligentes. Reservatórios que enchem ligeiro e secam devagar. Aqueles localizados nos ‘sovacos’ das serras, morros e nos boqueirões apertados, que são chamados pelo sertanejo de ‘açudes potes’. São barragens pequenas e médias capazes de sangrar com inverno a partir de 300 milímetros”, aponta o presidente da Ematerce.
Localidades
No Ceará, conforme José Maria Pimenta, existem milhares de localidades que poderiam ser contempladas com a construção dos açudes inteligentes. Além de matar a sede do ser humano e dos animais, também serviria para produzir alimentos por meio da irrigação moderna.
A Ematerce vem testando essa tecnologia em alguns municípios do Sertão Central. São 45 açudes em municípios como Canindé, Madalena, Quixeramobim e Piquet Carneiro.
“As coisas precisam mudar: E essas mudanças só acontecem com ideias inteligentes. Os açudes inteligentes provam isso”, assegura o engenheiro Pimenta.
Antonio Carlos Alves
Colaborador
Fonte: Diário do Nordeste
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