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Fósseis: Pesquisas paleontológicas causam polêmica no Cariri

Questão levanta dúvida sobre como diferenciar um pesquisador legalizado de um traficante de fósseis

Juazeiro do Norte. Uma pesquisa poderá esclarecer as razões da situação climática do semiárido nordestino dos próximos 20 anos, por meio do estudo de micropartículas de carbono 13, que podem determinar os períodos de seca que já ocorreram em épocas pré-históricas. As primeiras amostras desse material para estudo podem estar contidas no pó de rocha das formações Romualdo e Crato, coletado por um pesquisador francês, na maior escavação paleontológica controlada já feita no Nordeste, iniciada ano passado na Chapada do Araripe. O trabalho é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Nacional (CNPq), com apoio do Geopark, e a participação de cerca de 20 pesquisadores de universidades brasileiras e do exterior, com a coordenação da Universidade Regional do Cariri (Urca). Serão investidos nos dois anos de pesquisa cerca de R$ 130 mil.

Diante de todo nível de importância que uma pesquisa desse porte pode indicar, a prisão em flagrante pela Polícia Federal de dois cientistas renomados da Paleontologia, com 236 amostras de fósseis e o pó de rochas, envolvidos com o trabalho da escavação, deixa o dilema para as instituições: como diferenciar um estudioso comprometido há vários anos com estudos da área, ligado à entidades de pesquisa e autorizado pelo governo brasileiro, de um traficante de fósseis?

Motiva esse questionamento a prisão do paleontólogo austríaco naturalizado brasileiro, Alex Kellner, e do francês Romain Amiot, que veio especialmente colher as amostras de pó de rocha, para levar ao Rio de Janeiro, conforme a coordenação da pesquisa “Estudos Sistemáticos e Paleoecológicos da Fauna de Vertebrados das Formações Crato e Romualdo (grupo Santana) da Bacia do Araripe”, sob autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), para a França. Mesmo com as várias situações ainda não esclarecidas que colocaram em evidência nomes de grandes instituições, como o Museu Nacional do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as quais o pesquisador Kellner está ligado, a Urca e o DNPM, além do órgão de pesquisa, resta o constrangimento.

Os pesquisadores, acompanhados de mais duas estagiárias, estavam, segundo a Polícia, sem a documentação legal que autoriza o transporte de fósseis com a finalidade de estudos. Ambos foram presos e saíram após uma noite e um dia, com pagamento de fiança, estipulada em mais de R$ 12 mil. A luta agora é para reaver da Polícia o material fóssil apreendido com os pesquisadores, no qual foram gastos com a coleta para estudos cerca R$ 22 mil, e dar segmento ao estudo, dinheiro bancado pelo CNPq.

Um comunicado do DNPM, datado de 27 de abril de 2012, e protocolado pelo Laboratório de Paleontologia da Urca, no dia 8 de maio, seis dias após a prisão dos paleontólogos, expõe que estrangeiros com visto de turista estão proibidos de exercer a coleta de fósseis no Brasil e solicita a documentação que venha atender o previsto na portaria, do Ministério da Ciência e Tecnologia, de 1990, que regulamenta a atuação de pesquisadores estrangeiros no País.

Segundo o documento, a situação de irregularidade poderia colocar toda a equipe de trabalho sob risco de sanções. Só que, de um lado, o coordenador da pesquisa, paleontólgo Álamo Feitosa, afirma que a situação do francês é perfeitamente regular, e quanto ao departamento, havia a espera da resposta.

Para o DNPM, por meio do escritório do Crato, o único problema esteve relacionado à situação irregular do francês Romain Amiot. O fato que é questionado por Álamo Feitosa, tendo em vista um comunicado prévio e por escrito feito ao Departamento, sobre as escavações no Distrito de Jamacaru, Missão Velha, de onde foi retirado o material que hoje se encontra na PF. Esse comunicado é a única forma de atuar com autorização do órgão na região do Araripe.

Mas, diante da prisão e entrevista coletiva prestada pelo delegado titular da Delegacia da Polícia Federal, Francisco Castro Assis Bonfim, Kellner, que há cerca de 30 anos atua no Cariri como pesquisador, há 10 anos estaria sendo investigado pela PF e que já chegou a ser preso, fato que é do desconhecimento do próprio DNPM, segundo o chefe do escritório Regional, Artur Andrade.

Mesmo com a possível irregularidade do pesquisador francês, segundo o DNPM, os dois estudiosos foram flagrados pela Polícia na tarde do dia 2 de maio, no Aeroporto Orlando Bezerra de Menezes, no momento em que embarcavam para o Rio de Janeiro, com as amostras de fósseis e o pó de rocha, conforme a PF. Para o paleontólogo Álamo Feitosa, a Polícia cumpriu o seu papel, com anuência do Departamento Nacional de Produção Mineral sobre a possível irregularidade dos pesquisadores de que não estariam autorizados, e na qual ele discorda.

Autorização
Segundo Artur, a pesquisa havia sido comunicada, mas faltava a autorização do CNPq para Amiot, o que seria estritamente desnecessário, conforme Álamo, já que a pesquisa estava autorizada pelo CNPq no Brasil, e no comunicado que constava o projeto em anexo, o francês está como um dos integrantes da equipe de estudiosos. No escritório do Departamento no Cariri não se emite guias de autorização, apenas é feito o comunicado da atuação dos pesquisadores na área. A informação inicial, prestada pela Polícia, era de que o francês sairia do Cariri para a França com o material, o que foi negado pelo coordenador da pesquisa. Ele afirma que as passagens eram para o Rio de Janeiro, e somente no final de semana e com uma guia de autorização, Amiot sairia do Brasil para território francês.

Álamo teme quanto ao futuro da pesquisa na região, em um momento que tenta formar novos paleontólogos, numa área onde até poucas décadas acontecia o tráfico de forma exagerada e “pedras de peixe” eram vendidas a preço de bananas pelos conhecidos “peixeiros”. O patrimônio histórico natural pode até estar sendo traficado, mas o rigor na fiscalização e o trabalho de conscientização têm aumentado consideravelmente e reduzido os índices de crimes contra o patrimônio fossilífero. Tanto que têm sido raras as apreensões em grande escala, principalmente voltadas à comercialização. Para o coordenador, os pesquisadores não podem se sentir perseguidos, como se estivesses fazendo um trabalho clandestino, e muito menos serem confundidos com traficantes.

Legislações definem atuações especiais
Juazeiro do Norte. Enquanto o DNPM alega ter feito o seu papel, no cumprimento da legislação, quanto à permanência do pesquisador estrangeiro em solo caririense, em caráter irregular, os pesquisadores dizem que estavam atuando de forma legal. Fica a questão a ser resolvida no âmbito da Justiça.

O decreto lei de 1942, reconhecido na portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), criado no governo de Getúlio Vargas, dispõe sobre a proteção dos depósitos fossilíferos. De acordo com a legislação federal, a extração das espécimes fósseis depende de autorização prévia e fiscalização do DNPM. Mas no parágrafo único da lei, diz que independe da autorização e fiscalização, as explorações de depósitos fossilíferos feitas por museus nacionais e estaduais, e estabelecimentos oficiais congêneres, devendo haver a comunicação ao Departamento.

A portaria nº 55 do MCT, de 1990, aprova o regulamento sobre coleta, por estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil. Nesse caso, voltado para pessoas físicas ou jurídicas, domiciliadas no exterior, em associações ou colaboração com pessoas físicas ou jurídicas nacionais, o que não exime as pessoas de autorização do DNPM. Mas de acordo com o capítulo 11, da portaria, que ressalta os casos especiais, em que ficam dispensados da autorização do MCT as atividades de coleta realizada por estrangeiros, por meio de programas de intercâmbio científico, vinculados a acordos de cooperação cultural, científica, técnica e tecnológica, firmados pelo governo brasileiro.

Ainda especifica os programas de auxílio à pesquisa, como no caso, os patrocinados pelo CNPq e fundações estaduais de amparo à pesquisa.

O cientista francês, Romain Amiot (Universidade de Lyon, França), veio ao Brasil colaborar com a pesquisa. Ele publicou em 2010 um estudo geoquímico a partir de fósseis de diversos depósitos do Cretáceo da África e do Brasil, com a finalidade de determinar as condições climáticas existentes entre 120 e 90 milhões de anos atrás. Ossos e dentes de peixes, dinossauros, pterossauros, crocodilomorfos e tartarugas foram analisados, demonstrando que as temperaturas em latitudes baixas, de acordo com Kellner, eram similares às de hoje, mas com temperaturas médias mais altas. Esta pesquisa foi publicada em revistas da área de divulgação internacional. Esse trabalho também poderá ser realizado em relação ao material coletado no Cariri.

Para Álamo, tudo isso não tem passado de um grande mal entendido. Ele disse que procurou esclarecer a situação assim que soube do acontecido, e destacou a importância desses dois pesquisadores para a Paleontologia da região. Alex Kellner é funcionário do Museu Nacional e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O que pode se tornar uma resposta para as constantes secas no Nordeste brasileiro, os adventos futuros de estiagem, e o tempo que se levará para cada período com poucas evidências de chuva, cai literalmente por terra. O pó de rocha poderá voltar ao pó, por causa de uma interpretação da lei. O francês, Romain Amiot, que há três anos vinha sendo contatado para realizar essa coleta especial no Cariri e analisar o material com equipamentos existentes na França, depois do constrangimento na prisão, poderá até não voltar mais ao solo caririense. Segundo o delegado Castro Bonfim, os dois foram enquadrados na lei ambiental 9.605, que proíbe a extração de fósseis sem autorização. Os fósseis que estavam sendo levados pelos professores já haviam sido tombados pelo Laboratório de Paleontologia da Urca.

Do Diário do Nordeste

Zeudir Queiroz