A legalização de cassinos no Brasil está longe de ter um consenso no governo de Jair Bolsonaro. O presidente quer a jogatina, deseja-a agora, mudando radicalmente o seu discurso de campanha quando dizia que o “jogo se prestava somente para lavar dinheiro” e “destruir famílias”. Ele conta com o apoio de muita gente na Esplanada dos Ministérios, de dois de seus filhos e de uma infinidade de parlamentares, sobretudo do chamado Centrão. Na contramão, tem de enfrentar a oposição da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que ameaça sair do governo se a questão prosperar – e ela quando se vê desconte faz um barulho danado.
Bolsonaro tem de peitar também toda uma bancada evangélica no Congresso, lembrando-se que, entre a população em geral, são justamente eles, os evangélicos, que representam um terço de sua votação e serão vitais para levá-lo à reeleição. Recentemente, o senador Irajá concluiu o projeto que defende a implantação do jogo e ganhou a adesão de Eduardo Bolsonaro. Ambos têm se reunido com frequência para tratar desse assunto e procuram em vão fazer com que tais encontros não cheguem ao conhecimento das alas bolsonaristas contrárias. O outro filho do presidente, Flávio, já faz tempo que luta pelos cassinos. Como se vê, a coisa está andando. A proposta de Irajá, formalmente apresentada e que agora tramita entre os congressistas, define que os locais de jogos funcionarão dentro de resorts, os chamados “resorts integrados”, e “ocuparão 10% da área do local”.
O projeto, assim que começou a ser costurado, começou também a desagradar a bancada evangélica. Dá então para imaginar como está o clima nesse momento em que Irajá o apresentou na surdina. A discórdia entre os bolsonaristas vem de longe, só que agora ameaça explodir. Não foi para trabalhar duro com dinheiro público, por exemplo, que Irajá e Flávio permaneceram oito dias em Miami e Las Vegas onde se encontraram com Sheldon Adelson, presidente do Las Vegas Sand Coorporation e maior doador da campanha de Donald Trump em 2016, e Mario Guardado, diretor de luxuosa rede de cassinos. Segundo Irajá, “a legalização dos cassinos atrairá grandes investidores para o mercado de turismo brasileiro”. Falou em turismo, falou no ministro da área, Marcelo Álvaro Antônio. Ele nada nas mesmas águas de Eduardo, Flávio e Irajá — e, portanto, nada contra a corrente de Damares.
Roleta da crise
Não é de hoje que a ministra vem sendo alfinetada. Vale lembrar a reunião de 22 de abril que originou o inquérito no STF sobre a interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal. Tal interferência, que levou à saída de Sergio Moro do governo, é tão escandalosa que pouco se atentou para as farpas trocadas na mesma mesa entre os que são favoráveis aos cassinos e Damares. O ministro Álvaro Antônio falou um tempão e garantiu que a sua proposta era diferente de bingos e caça-níqueis. Na sequência infernizou Damares ao dizer que ela estava “olhando de cara feia”. A ministra respondeu que a ideia era um “pacto com o diabo”. Em meio ao tumulto, Paulo Guedes, ministro da Economia e também contrário a Damares, argumentou que não havia problema algum: “São bilionários, milionários, executivos do mundo inteiro. O cara entra, deixa a grana que ele ganhou anteontem, bebe e sai feliz da vida”.
O que se sabe, a rigor, é que não existe em nenhum lugar do mundo cassinos que não sirvam para lavagem de dinheiro. Isso é jogo jogado. A argumentação de Damares esconde o motivo real de sua oposição e inflama cada vez mais o dissenso entre os que que cercam o presidente — que por baixo do pano dá uma força ao projeto. Sem entrar-se aqui no mérito da legalização, a posição de Damares tem como base apenas o seu eterno moralismo e fanatismo religioso. Por sua vez, aqueles do governo que a isso se contrapõem só sabem falar de números e vantagens econômicas. O que se vê, enfim, é novo consumo de horas, dias e meses de discussão enquanto o Brasil afunda cada vez na viciada roleta da crise social. (ISTOÉ – Mariana Ferrari)
Fonte: https://bnldata.com.br/
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