Dois fatos marcaram a TV brasileira esta semana, ganhando sobrevida na internet e até mesmo repercussão internacional. O curioso é que em ambos houve uma mistura de realidade e espetáculo, tanto que ficou difícil dizer onde acabava uma e começava o outro.
Silvio Santos convida atriz de “pegadinha do elevador” para teste de “Chiquititas”
O primeiro fato foi a “pegadinha da menina fantasma”, um desses lances fortuitos que de vez em quando jogam o SBT para o topo dos índices da audiência.
Exibida por Silvio Santos em seu programa no domingo passado, a pegadinha logo se transformou em hit global, ganhando legendas em várias línguas e milhões de acessos na rede. Também gerou uma discussão: será que não passou de uma armação?
Pelo que dá para perceber pelo próprio vídeo –e também pelas notícias que foram aflorando ao longo da semana– foi uma meia armação. O saguão do tal do prédio tem a maior cara de cenário. Além disto, não lembro de um único edifício comercial em São Paulo onde a recepcionista fica sentada atrás de uma mesa simples, de onde se levanta para acompanhar os visitantes até o elevador.
E como é que esses visitantes não perceberam que o elevador não se mexia? Bastaram os números subindo no visor para convencê-los? Talvez porque não se tratasse de pessoas comuns: foi revelado que eram figurantes, convidados para um teste de seleção. Depois todos receberam cachê e assinaram autorizações para veiculação de suas imagens, é óbvio.
Ainda assim, o susto de alguns (não de todos) parece genuíno. Mas a esta altura nem isto importa mais: o SBT já está surfando na onda de seu novo sucesso. Domingo que vem haverá a exibição de um “making of” e entrevistas com os envolvidos. Além disto, Lívia Padilha –a atriz de 11 anos que interpretou a menina-fantasma-vai participar da vinheta de final de ano da emissora.
O outro caso é bem mais grave, pois pode ter consequências sérias. Como todo mundo já sabe, o apresentador José Luiz Datena negociou ao vivo com um sequestrador durante seu programa “Brasil Urgente” (Band) na quarta-feira passada, e conseguiu que o sujeito se entregasse à polícia sem ferir suas vítimas, ninguém menos que sua mãe e sua irmã. A cena também repercutiu no mundo inteiro.
Um final feliz e uma façanha e tanto para o apresentador, não é mesmo? Sim, mas não é só isto. O próprio Datena abandonou o programa ainda no ar, logo depois da negociação, dizendo-se exausto.
Na mesma noite, declarou-se arrependido. Ele não deixa de ter razão: não é sua função fazer o trabalho da polícia, ainda que a pedido desta. E já pensou se as coisas tivessem dado errado?
Ah, e tem mais: já pensou se a moda pega? Daqui a pouco, qualquer maluco apanhado em flagrante vai exigir aparecer ao vivo na TV. Pode até render momentos dramáticos e muitos pontos no Ibope, mas também pode machucar muita gente (haja visto o caso Eloá).
Vivemos num tempo em que tudo é espetáculo, em que as fronteiras entre ficção e realidade se tornam cada vez mais tênues. O que vale é aparecer, não importa como. Até aí tudo bem. Mas tudo se complica a partir do momento em que as pessoas são enganadas, ou até mesmo coisa pior.
Do Folha de São Paulo
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