Presidente do TSE reage aos ataques de Bolsonaro não apenas ao formato de eleição no Brasil, com as urnas eletrônicas, mas aos pilares do regime. E avisou: um presidente será eleito normalmente em 2022, e tomará posse sem sobressaltos em janeiro de 2023
A segurança do sistema eleitoral brasileiro só foi colocada em dúvida por causa de uma narrativa falsa incentivada por Jair Bolsonaro. Foi o que disse, ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, em discurso na abertura da sessão da Corte. Foi a primeira manifestação do magistrado após os ataques ao STF e à Justiça Eleitoral feitos pelo presidente da República, no último dia 7.
Barroso relembrou que Bolsonaro foi desafiado a apresentar as supostas provas que disse ter sobre fraudes nas urnas eletrônicas, e não as apresentou. Classificou ainda de “evento bizarro” a live em que o presidente disse que provaria que o equipamento pode ser hackeado e afirmou que tudo não passou de retórica vazia.
“Hoje em dia, salvo os fanáticos que são cegos pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história”, atacou Barroso
Para o ministro, o que está em curso no país é uma tentativa de trazer de volta o autoritarismo, por meio da descredibilização do processo eleitoral pela via de afirmações falsas e antidemocráticas. Tudo isso com vistas à manutenção no poder, apesar de uma eventual derrota nas urnas. Barroso alertou que alguns regimes caíram não apenas por meio de quarteladas, mas pela desconstrução gradativa de pilares democráticos.
Ele chegou a alfinetar Bolsonaro citando uma versão alternativa de um trecho bíblico, utilizado pelo presidente como um lema desde que era candidato. “O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: ‘conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará’”, disse Barroso, fazendo referência a João 8:32, que replica as palavras de Jesus: “Conhecereis a verdade, e a verdade os libertará”.
Sobre o voto impresso, Barroso disse que “quem decidiu que não haveria voto impresso não foi o TSE, foi o Congresso Nacional”. O presidente do TSE lamentou, ainda, o que chamou de desvalorização global do país. “Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial”, salientou.
Barroso afirmou, ainda, que a democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas, desde que haja o respeito à Constituição. Ela só não tem lugar, segundo ele, “para quem pretenda destruí-la”. “Com a bênção de Deus — o Deus de verdade, do bem do amor, do respeito ao próximo — e com a proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Assim será”, assegurou.
Resposta
Durante a transmissão da tradicional live das quintas-feiras, pelas redes sociais, Bolsonaro voltou a alfinetar Barroso. Disse que as palavras bonitas do magistrado “não convencem ninguém”.
“Palavras bonitas, que sei que o ministro Barroso tem, dada a sua formação de jurista, diferente da minha, que tem palavrão de vez em quando. Mas não convence ninguém”, provocou.
O presidente também insistiu no voto impresso — cuja proposta de emenda constitucional foi sepultada na Câmara, em julho. “Eu acredito que tive muito mais voto do que os 57 milhões que estavam ali. Eu vi uma notícia do senhor ministro Barroso dizendo que está aperfeiçoando o sistema eleitoral. Barroso, se está aperfeiçoando, é porque tinha brecha”, apontou.
Segundo o presidente, “se Barroso anuncia novas medidas protetivas por ocasião das urnas, é porque elas têm brechas. É porque, Barroso, elas são penetráveis. Entendeu, Barroso? Ministro Barroso, entendeu? As urnas são penetráveis e as pessoas podem penetrar nelas. Então, não é justo se desmonetizar páginas de pessoas que estão pedindo voto impresso. Isso é trabalhar contra a democracia?”, questionou, referindo-se às páginas de apoiadores que replicam opiniões sem estofo técnico de que as urnas eletrônicas são vulneráveis.
Sem data venia
“A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la”.
“O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: ‘conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará’”.
“É tudo retórica vazia, política de palanque. Hoje em dia, salvo os fanáticos que são cegos pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história”.
“A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, nesse momento, uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial. […] Pior que tudo, a falta de compostura nos diminui perante nós mesmos”.
“Depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas eletrônicas por parte de ninguém menos do que o presidente da República, uma minoria de eleitores passou a ter dúvidas sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão”.
“Uma das estratégias do autoritarismo é criar um ambiente de mentiras, no qual as pessoas já não divergem apenas quanto a suas opiniões, como é próprio da democracia, mas divergem quanto aos próprios fatos”.
“O extremismo tem se valido de campanhas de ódio, de campanhas de desinformação, de meias-verdades e teorias conspiratórias que visam enfraquecer os fundamentos da democracia representativa”.
“O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment, como sendo contra tudo isso que está aí e prometendo soluções simples e erradas para problemas graves. Soluções que cobram um preço alto no futuro”.
“O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, pode ser a imprensa, podem ser os tribunais”.
“Com a bênção de Deus — o Deus do bem, do amor e do respeito ao próximo — e a proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023”.
Comissão das urnas contará com general
Após um duro discurso em resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra o Poder Judiciário e seus integrantes, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, anunciou a composição da Comissão de Transparência das Eleições que será instituída na corte para acompanhar cada etapa do processo de preparação das eleições do ano que vem. Dentre os seus integrantes, está o general de divisão do Exército e comandante de defesa cibernética, Heber Garcia Portella, que foi indicado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto.
Barroso procurou pessoalmente Braga Netto para pedir o envio de um representante militar à Comissão. O ministro da Defesa esteve no palanque em que Bolsonaro discursou durante as manifestações antidemocráticas do feriado de 7 de setembro, na qual apoiadores do presidente pediam, entre outras demandas, “a detenção dos ministros Barroso e Moraes” e a adoção do voto impresso auditável.
Braga Netto, à frente da Defesa, já condicionou, em julho deste ano, a realização de eleições em 2022 à adoção do voto impresso. Ainda assim, seu indicado terá livre acesso a recursos do TSE para ajudar no planejamento de auditoria de cada etapa do processo eleitoral.
Ao anunciar os integrantes da Comissão, Barroso fez questão de frisar que as Forças Armadas são parceiras históricas do tribunal, tanto na criação da urna eletrônica, como no auxílio logístico no dia das eleições.
A comissão foi idealizada pelo ministro para dar mais confiabilidade ao processo eleitoral na esteira de ataques de Bolsonaro à urna eletrônica. A proposta é criar um elo entre o TSE e as entidades da sociedade civil, sem que haja ruídos e tentativas de descredibilizar as eleições.
Também será antecipada em seis meses a inspeção do código-fonte da urna por partidos, a presença de fiscais partidários durante o processo de inserção dos programas no dispositivo de votação e o aumento de urnas auditadas às vésperas do pleito.
Desde as eleições de 2018, Bolsonaro afirma, sem apresentar provas, que o pleito foi fraudado e que em 2022 poderá ocorrer a mesma coisa. Segundo o presidente, houve manipulação no resultado do primeiro turno, que ele alega ter tido votos suficientes para não precisar disputar o segundo contra Fernando Haddad (PT). Ele, porém, nunca apresentou qualquer prova.
A Comissão da qual o general Portella fará parte terá, entre outros, o senador Antônio Anastasia (PSD-MG); o ministro do Tribunal de Contas da União Benjamin Zimbler; a conselheira federal da Ordem dos Advogados do Brasil Luciana Nepomuceno; o perito criminal da Polícia Federal Paulo César Herman; e o vice-procurador-geral da Eleitoral Paulo Gonet Branco.
Ao final da sessão de julgamentos de ontem, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a palavra para homenagear os colegas Luiz Fux e Rosa Weber pelo primeiro ano na presidência e vice-presidência da Corte, respectivamente. Para além dos elogios, o discurso foi marcado pela mensagem de unidade do tribunal diante dos ataques recentes dirigidos pelo presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores aos ministros. Segundo ela, a Corte “não se destrói, não se verga, não se fecha”.
“Somos um tribunal, nenhum juiz atingido aqui no desempenho de seu cargo é atingido isoladamente. Qualquer afronta atinge todos”, disse a ministra. No feriado do 7 de Setembro, aniversário da Independência do Brasil, Bolsonaro chegou a dar um “ultimato” a Fux, ameaçou descumprir decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, relator de investigações que atingem a base bolsonarista e o próprio chefe do Executivo, e pedir sua destituição.
“Atos de afronta à autoridade de decisões judiciais não se voltam singelamente contra o STF, voltam-se contra a democracia, aqui ou em qualquer lugar no planeta, como lembra sempre o ministro Luís Roberto Barroso. Não se afronta a autoridade do Judiciário, afonta-se a autoridade de constituições”, enfatizou Cármen Lúcia, sem citar nominalmente o presidente. Ela afirmou ainda que o “Brasil é mais que uma pessoa ou um ato de voluntarismo”.
Em seu discurso, a ministra disse que o STF continuará seguindo o compromisso de “buscar a verdade processual em tempos de mentiras”. “Mentiras que adoecem cidadãos incautos, que matam pessoas porque não podem matar a ciência, que molestam a economia, que comprometem a sanidade institucional”, disparou.
Cármen Lúcia também saiu e defesa da democracia e afirmou que a ordem constitucional afasta o modelo de sociedade em que “alguns feixes cívicos sobreponham-se e imponham-se como se fossem todos”. “Cabe, neste momento, garantir o efetivo cumprimento da Constituição democrática de Direito de uma sociedade que seja justa, livre e solidária”, defendeu.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, também pediu a palavra e cumprimentou Fux pelas “tormentas” enfrentadas como presidente do Supremo. “Nós temos, ao lado da cadeira de Vossa Excelência, buscado contribuir modestamente para que a sociedade brasileira e o Estado mantenham um grau de estabilidade institucional devido e adequado”, disse
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/
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