Mesmo com deficiência na mão, artesã cearense cria bonecas que parecem reais

Silgene Evangelista vive da Arte Reborn, uma técnica capaz de “dar vida” a bonecas, mesmo com a dificuldade em se movimentar e a limitação em uma das mãos
Segundo a artista, a boneca tem um guarda-roupa maior que o dela. (Foto: Renata Monte/Tribuna do Ceará)
Segundo a artista, a boneca tem um guarda-roupa maior que o dela. (Foto: Renata Monte/Tribuna do Ceará)
Pouco conhecida no Brasil e com grande disseminação nos Estados Unidos e na Europa, a Arte Reborn é uma técnica artística que consiste em pintar e dar características personalizadas à bonecas, fazendo com que elas fiquem com aparência de uma criança de verdade. Há oito anos atrás, a cearense Silgene Evangelista descobriu que tinha talento para esse trabalho e, hoje, dedica-se exclusivamente à essa arte. Tudo começou quando a artista ganhou uma dessas bonecas de presente, mas não sabia como cuidar, como mexer e procurou uma ajuda especializada. A ajuda veio de Brasília, quando uma pessoa veio dar aula para Silgene e mais algumas amigas. O que era um hobby virou trabalho sério e boneca se tornou coisa de gente grande. “A técnica era bem diferente do que a gente tem hoje. Depois disso, eu comecei a fazer pra vender. É mágico você pegar um kit sem nada e transformar em uma boneca”. Silgene investe alto na sua formação, tendo feito um curso de pintura em 3D e, principalmente, no material que utiliza. Quase todos os produtos vêm dos Estados Unidos, da Inglaterra ou da Alemanha, dependendo do valor do dólar e do euro. A artesã compra a estrutura da boneca – cabeça e membros – em massa, vinil siliconado ou silicone puro, feitos por um artista plástico. Ela conta que o material é caro porque, além de ser em uma moeda superior, os Correios ainda cobram 60% do valor da encomenda. Tudo isso, fora os detalhes, como olhos, cabelo e roupas. Dependendo das especificações da boneca, ela pode chegar a custar em torno de R$ 4 mil. “O valor vai depender de como a cliente quer. Se quer um cabelo pintado, um cabelo implantado fio a fio ou uma peruca, por exemplo”, conta a artista. O retorno financeiro é pequeno diante do investimento feito, mas nada parece tirar o prazer de criar da artesã. “Quem faz esse trabalho tem prazer e alegria em ver o brilho no olho de quem recebe”. Quem adota: As bonecas da artesã apresentam uma pintura tão rica em detalhes, que os "bebês" tem veias e artérias. (Foto: Renata Monte/Tribuna do Ceará) A artesã conta que não pode falar que a boneca é vendida. Na verdade, ela é “adotada”, tamanha a semelhança com uma criança real. As novas “mamães” costumam ser meninas a partir de sete anos de idade e mães que têm filhos já adultos, revelando ainda um novo segmento da Arte Reborn: o “bebê por aproximação” – onde as mães levam fotos dos filhos quando eram bebês e encomendam bonecos parecidos com eles. A artista garante 90% de correspondência. Por todo o lado lúdico que o “brincar de boneca” apresenta, as reborn babies são bastante procuradas para ajudar no tratamento da depressão e da alzheimer. “Você se apega mesmo, tem de quem cuidar, o que fazer. Não é cura, não é remédio, mas ajuda bastante”, conta. A lesão medular Quem conhece Silgene e o seu trabalho fica se perguntando como ela consegue realizar trabalhos com tantos detalhes, mesmo não tendo o movimento das mãos com perfeição. É que Silgene, quando nasceu, teve o pescoço entortado pela enfermeira, ocasionando em uma hemorragia que cicatrizou no centro da sua médula óssea. A lesão, menor do que uma cabeça de alfinete, foi o suficiente para fazer com que ela perdesse o senso de equilíbrio e parte da movimentação dos membros. Silgene passou mais da metade da sua vida com um diagnóstico errado. Ainda criança, médicos afirmaram que quando ela nasceu, teve uma paralisia cerebral. Nada disso a impediu de viver normalmente. Andava de muletas, ía a festas, dançava com os amigos e tinha suas crises existenciais como toda adolescente. “Que adolescente não teve?”, questiona. Bem resolvida e decidida – herança da mãe -, aos 35 anos, a artista resolveu procurar o então recém construído Hospital Sarah Kubitschek, em Fortaleza. Para sua surpresa, após uma série de análises feitas por uma junta médica, foi constatado que Silgene não tinha nenhuma paralisia cerebral. Tinha tido, na verdade, uma hemorragia na segunda e na terceira vértebra. A cicatriz na medula impede que o corpo receba os impulsos do cérebro para andar. Passou quase a vida inteira de muletas. Parou por não aguentar mais o peso do corpo e pela osteoporose. Trabalhou como tradutora, professora de inglês, professora de português para estrangeiros e recepcionista em um hotel. “Eu trabalhava das 18h a meia noite. O pessoal dizia que de dia eu fazia menino [as bonecas] e de noite eu trabalhava”, conta sorrindo. O emprego na recepção teve de ser deixado de lado, porque Silgene dependia do pai para se locomover. “Meu pai já tava com 80 anos, já tava difícil para ele fazer esse trabalho”. A família Silgene conta com uma base familiar muito bem estruturada. Os irmãos são seus parceiros, a levam para todos os lugares, sempre que podem. Para pintar as bonecas, dispõe da ajuda da mãe. A cada demão de tinta, a artesã precisa colocar as peças no forno. Trabalho feito pela mãe, já que a cadeira de rodas a impede. “É ela quem assa os bebês”, gargalha. Quem também faz parte da família é a boneca Samira, que Silgene faz questão de dizer que tem esse nome, porque significa “querida”. Samira é a filha da artista e seu cartão de visita. Ela conta que é impressionante como as pessoas param para falar com a suposta criança, quando está passeando no shopping, por exemplo. As bonecas, que demoram em média um mês para ficarem prontas, são entregues com um mini enxoval, com direito a chupeta, roupinhas, mantas, fraldas e perfumes. O kit é feito com tanta dedicação e capricho, que Silgene tem clientes fieis. É pelas suas bonecas que muitas pessoas retornam ao mais genuíno sentido de infância, a alegria. Fonte: Tribuna do Ceará
Zeudir Queiroz

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