O astrofísico que formulou o conceito de buraco negro acredita que a presença de radiação no cosmos indica a existência de vida em outros planetas
Descobrir, provando por meio de fórmulas, a existência do inimaginável para a maioria das pessoas. Saber que, na astrofísica, mentes são mais poderosas do que satélites e telescópios. Acreditar que a força da radiação sinaliza para a presença de vida em outros planetas e que a conexão entre as estrelas pode ser comparada a dos neurônios no cérebro. O italiano Remo Ruffini, presidente do Centro Internacional de Astrofísica Relativista (Icra – sigla em inglês) e criador da Rede Internacional de Centros para Astrofísica (ICRANet) esteve em Fortaleza, em abril, para falar a estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
Fundador das Conferências Marcel Grossmann (um dos eventos internacionais mais importantes da astrofísica), Remo é um homem que quer disseminar informações e interesses. Entre os tantos artigos e descobertas, destaca-se o conceito de “buraco negro”, com elaboração de uma fórmula que contém carga, massa e momento angular. A escolha por estudar temas tão complexos, conforme ele, foi uma “sorte”, porque sempre procurou a coisa mais simples do universo. Pensou em estudar medicina, arquitetura, mas achou muito difícil aceitar conhecimentos alheios.
“Eu cheguei ao espaço e ao tempo, que são as duas coisas mais simples”, conta. A sorte continuou ao encontrar renomados cientistas e vários ganhadores de prêmios Nobel pelo caminho, que o fizeram acreditar na beleza da independência, pautadas sempre por dados, nunca apenas por teoria. “Se não é demonstrado, deve ser deixado para trás. Por isso precisamos dos melhores dados para a melhor teoria”, acredita.
O POVO – Como funciona esta rede internacional de centros para Astrofísica Relativística que o senhor articula?
Remo Ruffini – Estamos assinando acordos com Fortaleza, Recife, João Pessoa, Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), Rio Grande do Sul, Florianópolis e Minas Gerais. E nós acabamos de assinar um acordo com estudantes da Armênia. O mundo está investindo muito dinheiro em satélites para observar o universo e telescópios, mas nós precisamos não somente de tecnologia, mas desenvolver a mente para entender o que eles veem. Achar significados e seguir isso. Essa descoberta é nova, não é como Física Nuclear. Desenvolvemos um programa internacional, porque algumas universidades são muito boas em aspectos diferentes. Em particular, Roma é muito boa na Astrofísica, Itália é muito boa em construir satélites, França é muito boa com telescópios e a Alemanha trabalha muito em novas tecnologias do espaço. Nós construímos um curso PhD (um programa de doutorado em Astrofísica Relativista) em muitas universidades europeias e abrimos para os melhores estudantes do mundo, da China, da Rússia e do Brasil.
OP – A iniciativa reforça a ideia de que os estudos de Astrofísica não estão mais restritos aos Estados Unidos e à Nasa (Administração Nacional da Aeronáutica – sigla em inglês)?
Ruffini – Isso é outra forma de aproximação. Porque Einstein ficou nos Estados Unidos por 12 anos e então decidir voltar à Europa? Construímos uma organização internacional, que é diferente do processo americano, que apenas tem acordos entre as universidades. Nós temos acordos entre países. O ICRANet é uma rede não apenas para construir instrumentos, mas para construir Ciência. A única coisa que a gente precisa é de um pequeno grupo, não mais de 100 pessoas. Mas que seja forte. Em diferentes lugares no mundo. Podemos trabalhar em diferentes locais ao mesmo tempo, na mesma hora. Agora nós estamos fazendo uma grandiosa aventura, pensando em implementar um centro no Rio de Janeiro, no prédio da Urca.
OP – As mentes brasileiras têm algo em especial?
Ruffini – Elas são fantasticamente boas por causa da intensidade histórica. O primeiro físico a vir ao Brasil era um italiano e ele tinha vários alunos e vários alunos se interessaram. Isso é fantástico, eles (brasileiros) gostam de ciência como de futebol. Tem algo que complementa o Brasil e a Itália e isso é a razão pela qual nós queremos desenvolver esse conhecimento aqui. Vamos desenvolver nosso programa em 60 universidades na Europa e queremos ter três universidades no Brasil junto a nós. Eu fiquei impressionado, durante um seminário em João Pessoa, onde havia muitos jovens e com um conhecimento absurdo. Eles fizeram perguntas que me deixaram empolgado. Perguntei-me como pessoas com 14, 15 e 16 anos poderiam entender tanto sobre astrofísica. É inacreditável, por exemplo, um professor mais velho me perguntar como eu poderia estar certo sobre o conceito de buraco negro e um jovem estudante me questionar sobre o que acontece quando a radiação gama colide com as estrelas de nêutrons. Vários estudantes fizeram perguntas excelentes.
OP – Como o senhor começou a estudar o conceito de buraco negro?
Ruffini – Jhon Wheeler (físico teórico e um dos colaboradores de Einstein) disse para não estudar as estrelas de nêutron, porque todo mundo estava estudando isso. Ele disse: “Vamos além, vamos ao buraco negro”. O buraco negro é muito mais compacto e menor. O fenômeno tornou-se tão extremo que a luz de dentro dele não conseguiu sair. Isso é o conceito de buraco negro. E foi o meu trabalho com Wheeler, em 1971. Mas o problema veio ao descobrir isso. Porque, se você tem um buraco negro preto em um céu negro, você não consegue ver nada. Preto com preto. Como encontrá-lo? Então criamos uma fórmula. Quando se forma um buraco negro, no último milésimo de segundo antes dele se formar, é emitida uma grande e variada quantidade de energia. E essa é a previsão da minha fórmula, e nós tentamos encontrar evidências para isso. Para o buraco negro depois que ele se torna compacto e escuro. Estamos tentando descobrir todas as etapas.
OP – A primeira sonda europeia lançada para Mercúrio, em 2014, foi uma revolução para a ciência. Não foi lançada pela Nasa, como sempre aconteceu. O que isso representa para o desenvolvimento dos estudos na Europa?
Ruffini – Eu não quero ser polêmico, mas eu tive a sorte de estar em Princeton (nos Estados Unidos) em um dos melhores momentos da astrofísica relativista, que foi o seu início. Este centro que eu criei na Europa (o ICRANet), com ele eu me associei depois com países não-hegemônicos. Decidimos nos associar com países que desejam uma aventura cientifica. Eu considero sempre a parceria entre o Brasil e Itália muito importante. Acho também que o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, quando propôs que o Brasil se juntasse ao ICRANet, tinha essa visão de aprofundar a colaboração entre Brasil e Itália. Isso não significa que nós queremos excluir outros países. No ICRANet, nós temos presença de universidades americanas e acreditamos que esse é o caminho a seguir: educar os estudantes que estejam prontos para descobrir. Tanto o estilo, quanto a matéria, quanto o objeto de pesquisa são diferentes. Assim, estamos dando outro passo. A Itália criou uma base de dados enormes de todos os satélites espaciais da astrofísica e hoje queremos criar também essa base de dados no Brasil, como um espelho. E isso é um modo para conectar os dados da Europa até o Brasil. O mundo hoje é muito mais dinâmico do que 20 anos atrás, quando existiam apenas alguns centros. Mas hoje a gente pode compartilhar essas informações com todos, em todos os lugares é possível o desenvolvimento.
OP – Há alguma perspectiva de uso militar da Astrofísica?
Ruffini – A ciência é bela. Mas ela pode ser utilizada para o bem ou para o mal. É um fato que estamos estudando as maiores explosões do universo. Muito, muito, muito maior do que a bomba atômica. Para mim, a coisa mais excitante é entender como isso funciona e nós também estamos começando a entender como desenvolver essa forma de física. Esperamos que a civilização seja cada vez mais madura para não usar isso para o mal, e sim para o bem.
OP – Como a teoria de relatividade de Einstein evoluiu da sua criação até hoje?
Ruffini – O primeiro trabalho de Einstein, em 1905, foi a relatividade espacial e todos sabem a equação fundamental
E=MC² (energia é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz). E disso surgiu toda a física nuclear. Hoje, a partir da relatividade geral, o Big Bang, as estrelas, as explosões de raios gama, tudo surgiu disso. A coisa fantástica é que nós podemos entender com isso de onde vem a matéria. E que uma explosão de raio gama é necessária existir. Qual o seu sentido, o porquê de existir. Um dos pontos importantes, é que na explosão de um raio gama, é produzido muita radiação. E a radiação é a coisa mais importante para fazer o universo evoluir
OP – A radiação estaria ligada à evolução das espécies?
Ruffini – Eu expliquei em minha visita ao Museu de Recife, quando mostravam a formação do DNA, que o ponto fundamental é como a mudança do DNA leva à evolução das espécies. Você não pode fazer a mudança do DNA sem radiação. O fato é que a explosão de raios gama existe por todo o universo. É a primeira vez que eu vou dizer isso. Na minha opinião, isso prova que a vida existe em todo o universo. Porque as explosões dos raios gama acontecem por todo o universo e elas são necessárias para alterar o DNA e criar a evolução da vida. O fato de que essas explosões existem por todo o universo significa que existe vida por todo o universo. Para descobrir isso, temos que prosseguir na pesquisa. Mas isso, na minha opinião, é a prova mais forte. Portanto, deve significar que elas (as explosões) são boas, são úteis, por todo o universo e, assim, deve haver o potencial de criar vida. Eu não acredito nos mesmo critérios aplicados para descobrir a América, quando se veio até aqui geograficamente. Não acho que a vida será descoberta tão facilmente quanto um fenômeno geográfico. Será muito mais sofisticado. Até o modo pelo qual a entenderemos.
OP – Quais outras conexões existem entre o universo e a vida de espécies?
Ruffini – Se você quer falar sobre isso, eu tenho minhas próprias ideias a respeito. Para mim, é incrível que o número de neurônios em nossa mente seja muito similar ao número de estrelas da galáxia. Até mesmo à vida no planeta terra. Hoje, estamos desenvolvendo autoestradas, conexões, ligações entre o Brasil e a Itália, à velocidade da luz. Do mesmo modo que as conexões acontecem no cérebro, entre os neurônios. Por exemplo, a minha rede, ICRANet, é para se desenvolver assim. Como a relação entre os neurônios na nossa mente. E essa é a complexidade que nós temos que entender para saber o que está acontecendo no universo. Não apenas geografia, não como no filme Interestelar, em que pessoas vão até o buraco negro.
OP – Mas o filme pode levar essa história a um número maior de pessoas. Isso não é importante?
Ruffini – Também, mas essa é a razão que eu posso falar sobre. Não vou falar sobre o filme, nós temos diferentes estilos.
OP – Por muitos anos, vários cientistas descobriam teorias, mas não tinham tecnologia que pudessem provar suas descobertas. Isso é mais fácil atualmente?
Ruffini – Claro, mas deixe-me dizer uma coisa, pela primeira vez. Nós estávamos dirigindo para o aeroporto, em Recife, e a gente estava seguindo o navegador no carro. Eu estava dizendo que, sem a relatividade geral, sem as convenções de Einstein, seria impossível que o navegador conhecesse a nossa posição com a precisão de um metro. Isso só é possível graças à teoria de Einstein. Num certo momento, o navegador diria que nós estávamos em cima de um rio, mas não era um rio, tinha agora lá uma ponte. Mas o navegador estava desatualizado, a ponte tinha sido criada há uns dois anos. Mas a tecnologia disse que nós estávamos no rio.
OP – Que tipo de tecnologia nós esperamos que seja criada e que tipo nós precisamos?
Ruffini – Nós temos todos esses satélites e nós desenvolvemos toda a análise de dados na Itália. Ontem (21 de abril, véspera de a entrevista ser realizada), aconteceu uma importante descoberta, de uma explosão em um núcleo ativo de galáxia, um buraco negro que está há milhões de anos luz de distância. E um dos estudantes está trabalhando nesses dados. O que nós gostaríamos de fazer era pôr esses dados juntos, da Itália com o Brasil, para também, criar um grupo de estudantes ao redor disso, que possam analisar e descobrir o sentido, o conhecimento fundamental que esses dados nos dão. Eu acho que esse é o exercício mais poderoso do desenvolvimento da tecnologia de hoje. O melhor de todos os observatórios, satélites, observatórios terrestres, junto à mente dos estudantes.
OP – Foi descoberto, recentemente, um buraco negro 12 vezes maior do que o sol. Isso poderia mudar a forma como se analisa o conceito? Como o senhor avalia?
Ruffini – Quanto mais progredimos na pesquisa, maiores os mistérios com os quais nos defrontamos. Acho que não existe um fim para a ciência. Eu gostaria de dizer que a ciência precisa de muitas lutas. Nós lutamos muito na ciência, como quando as espécies se desenvolvem. A gente não fica só escrevendo o que são essas equações, a gente tem de lutar. Mais uma das teorias que nós desenvolvemos é sobre a matéria escura. E sobre a possibilidade de que a matéria escura seja feita de um tipo de matéria, como os neutrinos, mas não exatamente eles. Nós estamos desenvolvendo uma teoria sobre essa matéria escura – que provavelmente é 90% da matéria do universo. Estamos fazendo uma teoria com dois estudantes. Fizemos um artigo dizendo que muito possivelmente esse grande buraco negro não é formado de matéria, mas de matéria escura. E nós escrevemos a sua equação. Nós mandamos o artigo a uma revista americana, a Phisical Review Letters, e eles retornaram com muitas objeções, dizendo que não demonstramos isso e aquilo. Nós não sabemos se estamos certos. Então, mandamos para um revisor na Europa, mas um grupo que tem uma ideia oposta, e eles pararam o nosso trabalho, por um ano. E as suas objeções não eram razoáveis. Então, nós submetemos a uma revista inglesa e tivemos boas notícias, que finalmente alguém entendeu o que estamos querendo dizer. Isso mostra que a ciência, como a vida, é cheia de lutas. Como a evolução.
OP – Qual a busca atual da astrofísica?
Ruffini – Na minha opinião, é o fato de que em três minutos, objetos que um ano atrás eram distintos (supernova, buracos negros) se modificam.
OP – E o que essa nova descoberta pode trazer para a humanidade?
Ruffini – Primeiro de tudo, o fato de que eles são tão energéticos que, pela primeira vez, podemos vê-los por todo o universo. Estrelas como o sol só podem ser vistas próximas de nós, mas estes objetos podem ser vistos até às proximidades do Big Bang, no passado. Quando vemos uma explosão de raios gama, pode ter acontecido até 12 bilhões de anos atrás. Caminhou por 12 bilhões de anos até chegar até nós, mas o nosso sistema solar tem só cinco bilhões de anos. Portanto, este sistema, sete bilhões de anos antes de o sistema solar existir, ele já tinha mandado a sua luz, que está chegando até nós. Na Terra surgiram os dinossauros e a luz continuava vindo. Surgiram os filósofos gregos e a luz continuava vindo. Aí nós desenvolvemos nossos satélites telescópicos e a luz continuava vindo. E finalmente aquele fóton (partícula elementar mediadora da força eletromagnética) chegou aos nossos detectores e o homem é capaz de entender, com as equações de Einstein, esse fenômeno.
Tradução de Sara Oliveira
Fonte: O Povo
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