Após 34 anos fora da sala de aula, o então desempregado João Monte Rodrigues decidiu voltar a estudar. Ele então concluiu o ensino médio junto da filha, Ester Ferreira Rodrigues, de 17 anos, e juntos foram aprovados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para estudarem na Universidade Federal do Ceará (UFC). Ele no curso de Engenharia de Petróleo e ela, Engenharia Ambiental.
A família vive em comunidade indígena dos Tapeba, no bairro Capuan, em Caucaia (Região Metropolitana de Fortaleza). Hoje, aos 52 anos, o serviços gerais de uma repartição pública comemora a aprovação da universidade e projeta a carreira de engenheiro.
“Eu nem pensava em faculdade. Sempre tive o desejo, mas era quase impossível. Queria o ensino médio para entrar no mercado de trabalho, porque é o que as empresas pedem”, lembra João. Na infância, ele diz que as oportunidades foram limitadas, pelo que oferecia a rede pública de ensino e pela necessidade de trabalhar na roça. Ele havia estudado até a 4ª série, em 1979, mas o incentivo de amigos, familiares e, posteriormente, dos professores, o fizeram voltar aos estudos, em 2012. Pai e filha estudaram em escolas públicas.
Ester, filha dele, foi aluna da Escola Estadual de Educação Profissional Professor Antonio Valmir da Silva, também em Caucaia. “Em casa, eu estudava com a Ester até mais de meia-noite, tentando entender alguma dúvida vinda da sala de aula. Nessa idade, é mais cansativo, mais dificil. Mas conseguimos juntos e terminamos juntos”. Como parte da persistência, eles fizeram o Enem como teste em 2015 e 2016.
Esforço
Eunice dos Santos, coordenadora pedagógica da Escola de Ensino Médio José Alexandre, onde estudou João, acompanhou o desenvolvimento. “Ele preferiu o Ensino Regular ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA), por acreditar num aproveitamento maior em sala de aula”, relembra.
A coordenadora analisa que a dedicação aos estudos pode ser mais difícil a um pai de família, que tem outras atribuições na rotina diária. “Normalmente, os alunos dessa faixa etária trabalham o dia todo e o aprendizado se torna mais complicado. Mas não foi o caso de João, que tinha interesse e assiduidade até maior que a de jovens”, conta Eunice.
Em novembro do ano passado, chegou o grande dia. “A redação foi a (parte) mais dificil, apesar das aulas específicas na escola. Mas o resultado foi surpreendente”, ri-se. Aliado ao resultado na prova, João é beneficiário das ações afirmativas para a população indígena e estudantes de escolas públicas.
Após a aprovação no Sistema de Selação Unificada (Sisu), a matrícula foi feita no começo de fevereiro. “Foi muito emocionante até porque pensaram que o meu pai estava só me acompanhando. Foi divertido”, relata Ester, sobre a ocasião de matrícula na UFC.
Permanência
Ele receia ter que trancar a faculdade caso não consiga assistência estudantil. O trabalho nos serviços gerais de uma repartição pública de Caucaia complementa a renda familiar. A vaga, aliás, só foi conseguida após seleção, em agosto de 2017. O curso de Engenharia de Petróleo tem grade curricular integral, com aulas durante o dia, também expediente de serviço.
A esperança de João para permanecer no curso de graduação é conseguir a Bolsa Permanência, que, segundo o Ministério da Educação, é auxílio financeiro a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e para estudantes indígenas e quilombolas.
Contudo, o recém-aprovado emociona-se com a conquista. “Ainda nem caiu a ficha. (Ser universitário) é grande pra mim, um sonho mesmo. Acho que só vou acreditar quando entrar na sala de aula, no primeiro dia mesmo. Tô ansioso. Penso na glória do final, em conquistar uma carreira. Já me considero um grande vitorioso, em chegar até aqui”.
Fonte: O Povo
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