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Dívida leva 600 produtores rurais à Justiça no Interior

Casos contabilizados são de empréstimos realizados pelos agricultores desde a década de 1990

Fortaleza. Em pleno período de uma das maiores secas das últimas décadas no Nordeste, cerca de 600 pequenos e médios agricultores cearenses da região dos Inhamuns ainda podem ficar sem o pouco que lhes restam. Eles brigam na Justiça para não perder os bens por conta de dívidas adquiridas em empréstimos junto às instituições financeiras realizados ainda nos anos 90.

Agricultores reclamam que cobrança de juros é exorbitante. FOTO: HONÓRIO BARBOSA

De acordo com a Associação Nacional de Amparo Jurídico ao Produtor Rural (Andar), que contabilizou o levantamento, cerca de 90% dos casos, contabilizados desde a década de 1990 até agora, são de execuções judiciais realizadas pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Procuradoria de Geral da Fazenda Nacional do Ceará.

O agricultor Francisco Alves Rodrigues, mais conhecido na região dos Inhamuns como Chico Mariano, está prestes a entrar nessa lista. Ele se antecipou à execução judicial e procurou o escritório regional da Andar em Tauá para obter informações de como proceder.

“Fiz três empréstimos, todos na década de 1990. Um de R$ 33 mil, um de R$ 15 mil e outro de R$ 7 mil. Já paguei R$ 22 mil e estão me cobrando R$ 285 mil no final das contas por causa dos juros”, afirmou o agricultor, lamentando a situação.

Segundo Chico Mariano, a proposta da instituição financeira foi de efetuar o pagamento com entrada de R$ 80 mil e parcelar o restante da dívida em mais dez anos. “Como vou pagar isso. Não tenho condições. Estamos vivendo uma seca muito violenta aqui. Todo mundo está vendendo seus rebanhos por ninharia”, afirma.

“Não sei como fazem uma lei em que até R$ 35 mil concedem desconto de até 80%, mas se for de R$ 36 mil não há um só real de rebate sobre a dívida. Isso tinha que ser repensado de uma forma melhor”, desabafa.

O representante da Andar nos Inhamuns, Francisco de Assis Barroso, orientou o agricultor a procurar novamente a entidade quando ele for notificado da execução judicial. “Muitos já estão protegidos com uma sentença no Tribunal de Justiça do Ceará. À medida que o BNB e a Procuradoria botam na Justiça, nós conseguimos embargar a execução”, conta Barroso.

Juros sobre juros

De acordo com o representante da Andar nos Inhamuns, a maior reclamação por parte dos agricultores é o crescimento do valor da dívida. “É uma fábrica de juros. Todos os meses, são mora, multas e isso só aumenta. Vira uma bola de neve”, conta, ressaltando que poucos agricultores chegaram a pagar, mas que a maioria não tem condições de fazer o mesmo.

“Para quem não tem, que é a maior parte, sem dúvida, estamos conseguindo estender a execução na Justiça. Depois do TJ-CE, temos ainda como recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. É como se fosse um comprimido que vai prorrogando a morte”, compara.

Segundo ele, após a chegada da notificação, a associação tem apenas 15 dias como tempo hábil para ingressar no Judiciário com pedido de anulação da dívida. Todos os pedidos feitos até hoje ainda aguardam julgamento. “Esses 600 agricultores que cadastrados aqui são de Tauá, Parambu, Arneiroz, Aiuaba, Catarina, Pedra Branca, Quiterianópolis, e outros municípios da região. Mas a Andar atende a todas as demais áreas no Estado”, explica.

Barroso diz que o maior problema das dívidas rurais é justamente o anatocismo, ou seja, a cobrança exagerada de juros sobre juros. Contudo, o representante da Andar elenca outros fatores que em conjunto prejudicam a vida do pequeno e médio produtor no Interior.

“Para você ter uma ideia, uma moto hoje equivale ao preço de três vacas. Para você adquirir uma motocicleta, você pode pagar em até 60 vezes, com juros e parcelamentos decrescentes. É a maior facilidade do mundo pois existem várias agentes financiadores interessados. Mas se for comprar uma vaca, é o maior sacrifício do mundo, com parcelas iguais desde a primeira até a última e juros que só crescem”, desabafa. “Faltam os mesmos incentivos que existem para os setores do comércio e da indústria”, ressalta.

Respostas

A Procuradoria de Geral da Fazenda Nacional do Ceará foi procurada, todavia até o fechamento desta edição não havia se pronunciado sobre o assunto.

O Banco do Nordeste informou que a instituição está autorizado a renegociar as dívidas de produtores rurais, inclusive as de interesse de clientes representados pela Associação de Amparo Jurídico dos Produtores Rurais (Andar).

“As novas medidas anunciadas interessam a todos os que tiveram prejuízos provocados pela estiagem, na medida em que permitem a renegociação com prazos de até dez anos, possuem juros inferiores a 4% ao ano, e dispensam qualquer amortização da dívida”, destacou em trecho da nota à imprensa.

Desigualdade
“Infelizmente, faltam os mesmos incentivos que existem para os setores do comércio e da indústria.”
Francisco de Assis Barroso
Representante da Andar nos Inhamuns

Mais informações
Associação Nacional de Amparo Jurídico ao Produtor Rural
Rua Coronel Ferraz, 72, Centro, Fortaleza
(85) 3032.0688 / 3032.6688

Fonte: http://diariodonordeste.globo.com

Zeudir Queiroz